27.2.07

Conselho da Europa condena Supremo Tribunal por aceitar castigos sobre crianças

Tânia Laranjo, in Jornal Público

Decisão ainda terá de ser ratificada em Conselho de Ministros. Mas Comité dos Direitos Sociais já condenou a sentença judicial que legitima castigos moderados


O Comité Europeu dos Direitos Sociais, um órgão do Conselho da Europa, considerou censurável o acórdão dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, que o PÚBLICO noticiou em Abril do ano passado, e onde são considerados admissíveis os castigos moderados às crianças. A decisão ainda não foi ratificada pelo Conselho de Ministros europeu e a punição que será determinada a Portugal só deverá ser conhecida no próximo mês de Maio.

A queixa foi interposta pelo Comité Mundial contra a Tortura, que já tinha avançado em 2003 com uma acção contra Portugal e outros cinco países da União Europeia. Alegavam então que a nossa legislação era insuficiente em termos de protecção dos direitos das crianças, baseando-se também num acórdão judicial que autorizara um pai a dar alguns correctivos moderados ao filho.

A queixa acabou, no entanto, por ser considerada improcedente, tendo então o Comité Europeu afirmado que Portugal cumpria as directivas europeias. Um entendimento diferente terá agora sido proferido pela mesma entidade, após nova queixa do Comité Mundial contra a Tortura, mas baseando-se na decisão judicial proferida no ano passado.

Em causa estava a decisão de três juízes conselheiros. Aqueles diziam ser "lícito" e "aceitável" o comportamento da responsável de um lar de crianças com deficiências mentais, acusada de maus tratos a vários menores.

A mulher tinha sido indiciada por diversas situações: daria palmadas e estaladas às crianças, fechá-las-ia em quartos escuros quando estas se recusavam a comer, mas foi condenada por apenas uma dessas situações. Nas restantes, os juízes entenderam tratar-se de castigos aceitáveis. "Fechar crianças em quartos é um castigo normal de um bom pai de família. (...) As estaladas e as palmadas, se não forem dadas, até podem configurar negligência educacional", diziam, perguntando: "Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo de um filho que se recusa a ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho (...) ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer?".

O acórdão foi, na altura, alvo de várias críticas por parte de diversos responsáveis, tendo até os advogados que haviam defendido o Estado na primeira acção demarcado-se do novo acórdão do Supremo. O Ministério Público também não tinha subscrito tal tese, tendo mesmo recorrido da decisão que punira a responsável do lar com uma pena suspensa.

O caso ganhou também contornos de maior gravidade por se tratar de crianças deficientes, entregues a uma organização do Estado. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça acabou depois por se tornar efectiva, por não ter havido recurso para qualquer outro tribunal superior. No caso não houve qualquer protesto para o Tribunal dos Direitos Humanos, já que, neste processo, as crianças eram representadas pelo Estado.