27.2.07

Portugueses acham que a vida será mais fácil no futuro

Bárbara Simões e Andreia Sanches, in Jornal Público

Sondagem a quase 27 mil europeus marca arranque de consulta pública "sem precedentes" na UE

a Esperança no futuro não é o que caracteriza os europeus. Um inquérito do Eurobarómetro, ontem divulgado, mostra que quase dois terços (64 por cento) acham que as novas gerações terão uma vida mais difícil do que eles tiveram. Mas os portugueses olham para as coisas de outra maneira: 57 por cento dizem que quem é agora criança irá ter uma vida mais fácil. É o único país onde esta resposta obtém uma percentagem tão alta e tão ao arrepio da média da União Europeia.

É o texto do próprio relatório Realidade Social Europeia - baseado numa sondagem feita a 26.755 pessoas - a deixar uma pista para estes números: em Portugal, "depois de tempos difíceis, os cidadãos manifestam agora confiança no futuro". Será que essa "ressaca" explica tudo - a vida era tão dura que nos anos que se avizinham só pode ser menos inclemente? O sociólogo Boaventura de Sousa Santos interpreta os números desta maneira: "A anomalia portuguesa deve-se provavelmente ao facto de os portugueses viverem hoje uma queda brutal nas suas expectativas, depois de um curto período em que elas foram altas.

"Ou seja, não houve tempo para saborear. "Como esse período foi muito curto, os portugueses não chegaram a interiorizar a ideia de viverem bem como uma condição estável, ao contrário dos seus vizinhos europeus." Pelo contrário: "Viveram-no como um momento fugaz, logo depois seguido por dificuldades que agora ainda parecem maiores do que eram antes", completa o director do Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra), numa resposta enviada por e-mail. É por isso que, defende, "fora de um contexto de catástrofe iminente, não é pensável para eles [portugueses] que os seus filhos ainda venham a viver pior".

Em termos europeus, são os baby-boomers - nascidos entre 1946 e 1964 - os mais cépticos quanto ao futuro que espera as crianças de hoje; a grande maioria (70 por cento) dos inquiridos neste grupo diz que a vida apresentará mais dificuldades do que as que eles tiveram de enfrentar. Segue-se a geração imediatamente anterior, nascida entre 1933 e 1945, com uma percentagem de 69 por cento na mesma resposta. Entre os mais novos que participaram no inquérito, com idades entre os 15 e os 17 anos, a ideia de que quem vem a seguir herda uma vida mais difícil é partilhada por 40 em cada cem.

Quando o que está em causa passa a ser a expectativa de cada um em relação à sua própria situação (e não à dos mais novos), os portugueses voltam a dar nas vistas: mais de metade (54 por cento) responde acreditar que vai ficar melhor nos próximos cinco anos. A média europeia para esta resposta é uma vez mais inferior (41 por cento).

E, no entanto, há coisas que preocupam muito mais o cidadão português do que os outros. Desemprego, custo de vida e pensões são os três assuntos que mais afligem a União Europeia (36, 35 e 30 por cento, respectivamente). Portugal partilha da preocupação, mas com outra intensidade: 52 por cento dos inquiridos apontam o desemprego; 56 por cento o custo de vida, 35 por cento as pensões. E os cuidados de saúde, que causam apreensão a não mais de um quarto (26 por cento) dos europeus, são referidos neste capítulo por 46 por cento de portugueses.

Uma percentagem ainda maior mostra-se pessimista quanto à situação económica e do emprego em Portugal nos próximos 12 meses (ver quadro). No primeiro caso, 48 em cada cem acham que só pode piorar, no segundo são 52 por cento.

Medo de ficar pobre

O relatório mostra ainda como o fantasma da pobreza está presente na União. Seis em cada dez europeus consideram que ficar pobre é algo que pode acontecer a qualquer um, em algum momento da vida. Apenas três em cada dez acreditam que só certos grupos estão expostos a esse risco. Mais: um em cada quatro europeus acha que a pobreza pode mesmo bater à sua própria porta. As mulheres e quem vive em zonas urbanas demonstram esse receio. "Receber uma boa educação (62 por cento) e trabalhar arduamente (45 por cento) são considerados os dois factores mais importantes para singrar na vida", nota o relatório.

Os resultados desta sondagem especial - realizada entre 17 de Novembro e 19 de Dezembro de 2006 - foram divulgados no dia em que a Comissão Europeia lançou uma consulta pública que se prolongará até ao final do ano. É apresentada como "um exercício sem precedentes". O objectivo é "fazer o balanço das actuais realidades sociais e tendências das sociedades europeias". Em comunicado, a Comissão faz questão de sublinhar que o que está em causa é "auscultar opiniões". Só "numa fase posterior poderão ser retiradas conclusões políticas". Toda a informação sobre este processo está num site também ontem lançado (http://ec.europa.eu/citizens_agenda/social_reality_stocktaking/index_pt.htm).

A consulta pública terá por base os resultados do Eurobarómetro ontem divulgados e um documento onde se faz uma análise das transformações que as sociedades europeias sofreram nos últimos anos. Boaventura de Sousa Santos diz que os portugueses enfrentam hoje "uma queda brutal nas suas expectativas".

Outras conclusões

Europeus felizes
Os europeus consideram-se em geral relativamente felizes. em portugal, a percentagem dos que afirmam isso mesmo é de 86% - idêntica à média da união europeia (ue). está satisfeito com o seu nível de vida? com a casa que tem? estas foram algumas das perguntas feitas. respostas: 75% dos portugueses e 83% dos cidadãos da ue dos 25 (a sondagem foi feita antes do alargamento a 27) estão satisfeitos com o seu nível de vida; 89% e 92%, respectivamente, estão contentes com as suas condições de habitabilidade. já o trabalho é, para uma "significativa minoria" de trabalhadores da ue, uma fonte de mal-estar: dois quintos dizem que têm um emprego demasiado exigente e stressante. em portugal, são ainda mais: 55%. o país é o quinto com pior avaliação neste capítulo.

O lazer antes do trabalho
O que é verdadeiramente importante para os europeus? ter saúde, em primeiro lugar; a família, logo a seguir. seguem-se os amigos e o lazer. e só depois o trabalho. os portugueses não divergem muito desta ordem de prioridades: quando se lhes pede que falem do que realmente importa, 99% dos inquiridos dizem que "ter saúde" e a família é o mais importante; seguem-se o lazer e o trabalho.

Como salvar as pensões?
Cerca de 30% dos europeus estão preocupados com o futuro das suas pensões. questionados sobre o que pode ser feito para assegurar a sustentabilidade do sistema, a possibilidade de "manter a idade da reforma, mas aumentar as contribuições" para a segurança social é apoiada por 32%. portugal e hungria são os países onde esta solução tem menos apoio (23%).menos interesse ainda suscita a solução "trabalhar mais tempo" (só 22% dos europeus e 17% dos portugueses concordam com esta solução); a ideia de receber pensões mais baixas e manter a idade da reforma é ainda mais impopular (12% na ue e 3% em portugal). uma percentagem significativa de inquiridos (20% na ue e 35% em portugal) não dá o seu apoio a nenhuma destas possibilidades.

Fraca segurança social
Os portugueses são os cidadãos da ue mais insatisfeitos com o sistema de segurança social nacional. apenas um em cada 10 inquiridos considera que este tem uma cobertura adequada. na ue, a média de respostas positivas foi de 51%.