29.3.07

Moradores do Bacelo indignados com as pensões onde foram realojados

Álvaro Vieira, in Jornal Público

Os três filhos de Gracinda Machado ficaram anteontem sem jantar. À hora a que chegaram à pensão que lhes foi provisoriamente destinada pelo Centro Distrital de Segurança Social do Porto, já não se servia. Outro agregado familiar do terreno do Bacelo, na zona do Freixo, onde a Câmara Municipal do Porto demoliu anteontem as barracas onde 16 famílias, com 23 filhos menores, residiam há quase duas décadas, foi instalado numa pensão da zona do Bonfim, onde se deparou com colchões queimados e manchados, com vestígios de um líquido que supõe ser urina.

Também encontrou pedaços de pão e embalagens de medicamentos em cima de um móvel, além de um "cheiro a mofo" que considerou insuportável. "Antes as barracas", comentavam ontem os desalojados do Bacelo, que já está aplanado e quase sem vestígios da redução das barracas a entulho que decorreu na véspera. Elementos da Plataforma 65, que congrega várias associações empenhadas na defesa do direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição, estavam com eles e tiraram fotografias.

Mas há mais: noutra pensão, da zona da Praça da República, para onde a Segurança Social encaminhou um casal de idosos do Bacelo, a porta foi fechada com o argumento de que a reserva de quarto em causa havia sido cancelada. José Soeiro, da Plataforma 65, diz ter encontrado o casal, por acaso, ao passar de carro naquela rua, numa altura em que os idosos se predispunham, resignados, a passar a noite ao relento.

O casal exibia um papel rasgado onde técnicos da Segurança Social haviam escrito a morada da pensão. E o casal, por não saber ler, até admitia estar enganado na morada.José Soeiro entrou nesta pensão, que correspondia à morada descrita no papel, e ouviu a justificação de que esta estaria cheia e que a Segurança Social, depois de ter efectuado a reserva, teria feito novo telefonema a cancelá-la. Uma versão desmentida pela linha de emergência da Segurança Social, para onde José Soeiro ligou.

Ontem, este elemento da Plataforma 65 insurgia-se contra a forma como o processo decorreu. Criticava a urgência em demolir as barracas sem estarem salvaguardados alojamentos condignos. E criticava a Segurança Social por ter esperado pelo desaparecimento das barracas, ao início da manhã, para iniciar o processo de distribuição das famílias pelas pensões, o que só ficou concluído depois das 22 horas.

Elementos de vários agregados criticavam outras situações. Casais com cinco filhos foram instalados num único quarto. Idosos de mobilidade reduzida num 3.º andar. Outras queixas eram as mesmas que os levaram, nos últimos dias, a pedir para lhes ser permitido ficarem no Bacelo, ou noutro terreno, os mesmos 60 dias ao fim dos quais a câmara promete realojar em casas municipais aqueles que a elas tiverem direito. Estão dispersos pela cidade, longe das escolas, sem sítio para lavar roupa e sem local onde estacionar as carrinhas onde armazenaram os pertences retirados do acampamento. Pior, as pensões exigem que saiam de manhã e regressem apenas depois de jantar. Aparentemente, precisam dos quartos para os alugar durante o dia.