26.3.07

O Plano Marshall da Europa está a oito milhas de distância

Bono Vox*, in Jornal Público

Há 50 anos, a ideia de Europa foi plasmada para o papel num continente perturbado, mas que já tinha ultrapassado o pior momento do período do pós-guerra. Na luta global entre os Estado Unidos e a então URSS, entre a liberdade e o totalitarismo, a Europa estava a ser reconstruída para combater a próxima guerra: uma batalha não apenas de ideologias, mas também muito possivelmente de arsenais nucleares. Aquele já não era o momento para sonhar - o melhor seria a Europa esconder-se numa cave e requerer o fornecimento de sopa enlatada para um ano.

Mesmo assim, aquele foi o momento em que a Europa nasceu. No continente que foi o cenário de uma das páginas mais negras da humanidade, testemunhou-se um verdadeiro milagre humano. Os povos da Europa descobriram que a capacidade que tinham para a destruição era a mesma que tinham para o perdão, para a bondade e para a esperança. Olhando para os Estados Unidos, os europeus viram como foram seleccionadas as melhores ideias de europeus como Locke, Rousseau e Tom Paine e que elas podiam florescer numa sociedade não poluída por sangue e aristocracia. E assim, em 1957, seis nações assinaram o Tratado de Roma. Com esse acto crucial construíram uma vitrina de multilateralismo, prosperidade e solidariedade internacional. Andemos 50 anos para a frente.

Uma estrela rock irlandesa lê o tratado com o mesmo entusiasmo com que uma criança olha para um prato de ervilhas. E percebe que o documento encerra muito daquilo a que os tecnocratas chamam poesia. Não a maior parte do texto, apenas uma frase aqui e ali. Como o artigo 177, que notifica os signatários a alimentarem "a economia sustentável e o desenvolvimento social dos países em desenvolvimento e mais particularmente os mais desfavorecidos de entre eles" e que apela a uma "campanha contra a pobreza nos países em desenvolvimento". Isto não é propriamente Thomas Jefferson, mas um vislumbre do tipo de visão que nos deve comprometer.

Nos próximos 50 anos, devemos precisar de um pouco mais do que poesia. A Europa é um conceito que tem de tornar-se um sentimento de cada um, baseado na crença de que a Europa continuará de pé apenas se a injustiça cair. A nossa humanidade diminui-se, quando não temos uma missão maior do que nós mesmos. E a nossa maneira de definirmos o que somos pode ser através de um olhar mais demorado sobre os 13 quilómetros do Mediterrâneo que separam a Europa de África. A palavra irlandesa meitheal significa que as pessoas da aldeia ajudam tanto mais as outras em função da dureza do trabalho. A maioria dos europeus é assim. Como nações individuais podemos olhar mais para o que está dentro da vedação do nosso jardim, mas, quando a casa de um vizinho se incendeia, juntamo-nos todos para combater o fogo.

Hoje, muitos quartos na casa do nosso vizinho África estão em chamas. Do genocídio no Darfur aos leitos de morte em Kigali, das crianças que morrem com malária às aldeias sem água potável, as condições de vida em África são uma afronta aos valores que nós, europeus, sempre vimos como elegíveis para serem passados para o papel. Vemos o que acontece quando mais forças militares são destacadas para a Somália ou para o Sudão e agravam a tensão entre as populações pró-ocidental e muçulmana moderada. Seja por imperativo moral ou estratégico, é uma estupidez deixar esta fogueira arder. Como é que a Europa vai responder?

Em conjunto, os países da União Europeia prometeram alocar 0,7 por cento do PIB para os mais pobres de entre os pobres. Como é que a Europa trabalha para manter essa promessa é tão importante para a própria Europa como o é para África. Temos de nos lembrar que a Europa, há 50 anos, não saiu por si própria do abismo. Do outro lado do Atlântico estava um país com uma noção bem alargada de "vizinhança".

É óbvio que o Plano Marshall não foi tudo altruísmo - quando as relações entre os dois blocos desceram muito abaixo de zero, os Estado Unidos queriam um baluarte contra a expansão soviética. Mas foi também um acto de generosidade numa escala nunca antes vista na história da humanidade. O Plano Marshall definiu a América na era da guerra fria. O que vai definir a Europa nesta nova era? Qual vai ser o seu baluarte contra o extremismo dos nossos tempos? Parte da resposta está à distância de 13 quilómetros.

*Vocalista dos U2