16.4.07

calvário de quem vive na zona mais pobre do Porto

Inês Schreck, J. Paulo Coutinho, in Jornal de Notícias

Adelaide Rocha vive em sobressalto. O tecto ameaça ruir sobre a cama onde dorme o filho

Os bidões estão à porta. É dali que, todos os dias, Aurora Santos e Adelaide Rocha retiram água para encher uma bacia e lavar-se dentro de casa. Naquela ilha privada, onde vivem mais quatro pessoas, não existe casa de banho. Há apenas um recanto com um buraco no chão. Há anos que a miséria bateu à porta do número 91 da Rua do Calvário, em Azevedo de Campanhã, a freguesia menos desenvolvida do concelho do Porto. Por ali "falta tudo", diz-se à boca cheia.

O nome da rua onde Aurora e Adelaide moram parece propositado. As suas vidas são um calvário. De dia, quando o calor aumenta, têm de fechar-se em casa devido ao cheiro insuportável a esgoto. De noite, dormem com os olhos postos nos tectos abaulados e nas paredes com brechas por todo o lado.

Adelaide vive no andar de cima."Estamos sempre a ver quando isto vai cair", diz, apontando as vigas colocadas pela Câmara para escorar o tecto do quarto do filho, com 16 anos. No sótão é a cozinha, apesar de já ter sido alertada para os riscos de cozinhar naquele espaço, de piso irregular, onde só se anda encolhido. No chão, os buracos são tantos que Adelaide optou por colocar placas para não pôr os pés em falso. "Se a dela vier abaixo, a minha também vai", diz Aurora, que poucos antes esteve a mostrar a falta de condições da ilha ao vereador da CDU, Rui Sá. No mesmo espaço vivem mais quatro pessoas. Todas usam o "buraco" para fazer as necessidades. Não há porta e o odor nauseabundo atrai dezenas de moscas.

A miséria estende-se a boa parte de Azevedo de Campanhã. As ruas estão por pavimentar e cheias de vegetação, há matas por limpar, há lixo, não há saneamento, "não há nada". Estão a cinco minutos do centro do Porto, mas sentem-se isoladas, esquecidas. Olham para o lado e invejam os que assentaram raízes no concelho vizinho. "Ao menos ali [em Gondomar] fazem obra", reclama Cremilda Lima. Tem 70 anos, mora ali há 68, e não se conforma com o abandono a que a zona de Azevedo está votada. "Isto não evoluiu nada nestes anos". O pior, lamenta Cremilda, é a falta de transportes para ir ao Porto. A zona é servida pelos autocarros da Resende e da Valpi, duas operadoras privadas. A viagem para o Porto custa 1,20 euros, mas para se movimentarem naquela cidade têm de comprar bilhete da STCP. "É preciso estudar a possibilidade de criar intermodalidade com estas companhias",afirmou Rui Sá.

No final da visita, o comunista prometeu colocar os problemas daqueles moradores na próxima reunião de Câmara e propor a criação de uma delegação, com um membro de cada partido do Executivo, para visitar aquela parte da freguesia.

"Creio que parte dos meus colegas da vereação não conhece isto", referiu, concluindo que "as pessoas se sentem marginalizadas". "Apesar de pertencerem ao Porto, ninguém se preocupa com elas", acrescentou o vereador.

Os moradores garantem que as visitas dos políticos são poucas ou nenhumas. "Está tudo abandonado. Isto é Marrocos. Vivo aqui há 35 anos e nunca foi levantado um paralelo", assegurou Fátima Almeida.