30.4.07

Dorme no carro há dois anos

Salomão Rodrigues Artur Machado, Jornal de Notícias

Alberto Ferreira, 63 anos, natural de Argoncilhe, Santa Maria da Feira foi, durante anos, um empresário bem sucedido da construção civil, em Lamego, a quem não faltavam algumas das mordomias próprias de quem vivia acima da média. Agora, vive sozinho, dentro de um carro, porque, afirma, "parece que apanhei a mais terrível das doenças estou desempregado".

Recebe mais de 500 euros do Estado, via subsídio de desemprego, mas prefere continuar no habitáculo de um não muito espaçoso Fiat Palio, um dos poucos bens que lhe resta, mas que, ainda assim, está penhorado. Já mora naquela casa com quatro rodas há cerca de dois anos.

Dorme na viatura por opção, porque, explica, "podia dormir num quartinho, mas ficava com poucos euros para o resto das despesas". Além disso, adianta, "sinto-me bem a dormir no carro e não tenho ninguém, mesmo ninguém, que me chateie".

Os dias são quase sempre ocupados da mesma forma. Levanta-se aos primeiros raios de sol, faz algumas caminhadas pela cidade e conversa com os amigos de ocasião.

Almoços a contrato

Diz ter um "contrato" com um café onde almoça e janta todos os dias. "Ao meio-dia, almoço e depois venho descansar para o carro". E o mesmo se passa ao final da tarde. "Depois de jantar, pelas 21 horas, deito-me".

O banco da frente, inclinado para trás, é a cama improvisada sobre a qual tem um pequeno rádio, a companhia diária das noites, antes do sono chegar. A mala é o guarda-roupa e dispensa improvisada, onde acomoda os poucos pertences.

O pior são os dias de calor, que levam Alberto Ferreira a "fugir" para o café até horas mais tardias. Mas, adianta, quando está fresco, ouço música até tarde e escrevo o que me vai na alma".

O antigo empresário não esconde a mágoa pelas adversidades que tem passado, mas com um sorriso no rosto, próprio de quem se sente bem com as opções que foi tomando ao longo da vida, não desanima. "A verba do fundo de desemprego ainda dando para eu viver", explica.

O princípio da "via-sacra"

Apesar dos receios de ter novamente problemas de saúde, afirma que colocou um anúncio com pedido de trabalho, porque, conta, "sei fazer de tudo na construção civil" mas, adianta, "gostava de voltar a ser encarregado de obras".

A história da "via-sacra" de Alberto Ferreira começa em 1983 com o falecimento da esposa, em Lamego, local onde residia e tinha a sua empresa de construção civil.

Mas piorou em 1992, altura em que estava já com uma nova mulher. Nesse ano, terá começado a sentir as primeiras dificuldades na empresa, porque, explica, "a nova lei do território fez com que a Câmara não aprovasse projectos e os trabalhados começaram a faltar".

Dois anos depois, era decretada a falência da empresa e ficavam por saldar várias dívidas.

Decide regressar a Santa Maria da Feira em 1994, mas os encargos elevados com o sustento dos filhos e a renda da habitação para pagar, obrigam-no a procurar trabalho como encarregado de uma empresa de construção civil até 2004. Mas, recorda, "no dia 8 de Janeiro desse ano deu-me um enfarte".

"Na altura não me sentia bem, mas passados três meses fui novamente trabalhar". Um emprego que duraria apenas um mês, porque a empresa faliu.

Mas as coisas ainda complicaram mais quando, a Junho de 2005, foi vítima de um segundo AVC. Não voltou a trabalhar e diz que, nessa altura, aumentaram os desentendimentos com a família, que o levaram a "ceder" sair de casa.

"No dia 11 de Julho de 2005, passei a minha primeira noite a dormir no carro. Até hoje", conclui, de ombros encolhidos.