27.5.07

Associações pedem legislação que leve em conta a existência de "formas atípicas de emprego"

Natália Faria, in Jornal Público

Os contratos de curta duração são uma das reivindicações de um sector que emprega 200 mil trabalhadores


É indesmentível: a realidade do emprego em Portugal está a mudar. Entre os que folheiam os anúncios dos jornais em busca de emprego, poucos serão os que não esbarraram já com designações como trabalho temporário, merchandising e contact centers. E as associações representativas destes sectores, que somam mais de 200 mil trabalhadores, começam agora a reclamar, a uma só voz, uma legislação desenhada à medida. Objectivo: ver consagrado na lei o direito de estabelecerem contratos de trabalho mais flexíveis e de curta e curtíssima duração.

O próprio Observatório de Emprego e Formação Profissional (OEFP) divulgou, em Fevereiro, um relatório em que aponta o dedo à incapacidade de a legislação laboral enquadrar "as novas formas jurídicas e factuais de emprego que se afastam dos modelos tradicionais e configuram práticas relativamente recentes". "É imprescindível estabelecerem-se regras de articulação com o serviço público de emprego, enquadrando na sua órbita empresas como as de trabalho temporário, recrutamento, selecção e executive search e outplacement", lê-se no documento.
A consequência da actual falta de enquadramento legal - dizem as associações e corrobora o OEFP - é a proliferação de empresas ilegais, cujo denominador comum é a fuga ao fisco e outras obrigações. Do lado dos trabalhadores, somam-se os exemplos de trabalho a troco de pouco dinheiro e sem direito a recibo, horas extras não retribuídas, ausência de direito a férias e ameaça de despedimento.

Mas, em nome da moralização do sector, o Estado deve ou não responder a essas reivindicações de flexibilização das relações laborais? "A legislação tem que conter a dupla perspectiva da flexibilidade, mas também da segurança do trabalhador", reequaciona Fátima Suleman, professora auxiliar do Departamento de Economia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). A docente admite a pertinência de uma legislação que permita o emprego de duração determinada desde que ao trabalhador "seja garantida a formação que lhe garanta empregabilidade". "Se o indivíduo que passa por contratos atípicos de emprego não puder mudar o portfólio de competências para poder transitar de emprego para emprego, deixamos essa parte do mercado completamente desprotegida", insiste.

Por outro lado, para a investigadora, as empresas devem usar com parcimónia os contratos com termo e de curta duração, porque também aqui há uma factura a pagar. "A aquisição para as organizações de competências específicas leva tempo e uma relação de curta duração não permite ao trabalhador o envolvimento na organização", alerta, defendendo que, "tirando as situações em que a actividade assim o exige, o recurso a contratos flexíveis não é tão benéfico quanto possa parecer, porque uma pessoa que tenha com contrato precário ad aeternum numa organização também não vai permitir que esta crie o seu portfolio de competências".
Considerando que "as formas atípicas de emprego estão a normalizar-se", a investigadora diz que o mercado português tem caminhado no sentido da "remercantilização", isto é, "a permitir que a mão-de-obra seja gerida numa lógica de mercado". Dito de outro modo, passou-se de um cenário em que o normal era o trabalhador entrar numa empresa, fazer carreira e sair no momento da reforma, para outro em que as empresas reivindicam o direito a recrutar e despedir trabalhadores sem custos.

E, longe de fazer coro com os que decretaram a morte definitiva do emprego único para a vida, Fátima Suleman prefere acreditar que a longevidade do emprego passou a depender do trabalhador. "Há uma componente de responsabilidade individual que saiu muito reforçada: se o indivíduo se empenhar na sua formação e se mantiver actualizado, não acredito que a organização o deixe ir embora; portanto, passa a depender do próprio indivíduo manter-se ou não no emprego".