26.6.07

Importar flexissegurança custaria 4,2 mil milhões de euros por ano

Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

Quatro mil e duzentos milhões de euros por ano, dinheiro mais do que suficiente para construir um aeroporto na Ota. O valor foi calculado pela Comissão Europeia e demonstra o elevadíssimo custo da implementação de um sistema de flexissegurança tal como existe em alguns países europeus. Se, entre 1997 e 2004, Portugal tivesse adoptado o mesmo nível de segurança dado na Dinamarca, Suécia e Holanda (os três países que mais dinheiro despendem nestas políticas), então teria gasto mais do dobro do que, de facto, gastou. A questão estará na mente de todos os que, amanhã, assistam à apresentação das propostas preliminares da comissão que estuda as mudanças na lei laboral portuguesa (ler ao lado).

O elevado custo de políticas activas e passivas de emprego - como formação profissional ou subsídio de desemprego, respectivamente - é uma das razões pelas quais é impossível importar simplesmente modelos de países como a Dinamarca, onde quase um terço dos trabalhadores muda de emprego a cada ano e a taxa de desemprego é de 3,4%. Mas não é a única a tradição portuguesa, a actual lei laboral, o (fraco) crescimento económico, a baixíssima qualificação de trabalhadores e empresários e a postura dos parceiros sociais são muito diferentes das do Norte da Europa.

Até onde ir?

O tema está no centro do debate, mas a pergunta fulcral ainda não teve resposta sabendo que a flexissegurança é a combinação o mais equilibrada possível de incontáveis tipos de flexibilidade no trabalho e de segurança ao trabalhador, importa começar por saber até que ponto o país está disposto a flexibilizar e de que grau de segurança necessita para o contrabalançar? A resposta será o ponto de partida. Só depois se poderá passar às medidas concretas, numa discussão que o próprio "pai" da flexissegurança, Poul Rasmussen, acredita poder demorar seis anos.

Enquanto isso, as contas vão sendo feitas. Aos 1,3% da riqueza nacional (PIB) que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) calcula que Portugal gaste com medidas passivas de emprego, a Direcção-Geral do Emprego da Comissão Europeia estima que seria necessário juntar outros 1,6% do PIB. Ou seja, além dos dois mil milhões de euros já gastos a apoiar quem não tem trabalho, Bruxelas soma 2,5 mil milhões, para atingir o nível de ajuda dado na Dinamarca, Suécia e Holanda.

Apoiar desempregados, contudo, não chega. Bruxelas calcula que Portugal teria que gastar mais 1,09% do PIB (1,7 mil milhões) em medidas activas de emprego. Aqui inclui-se a formação profissional ou os apoios à contratação, por exemplo, numa série de políticas que implicam coordenar as empresas e o ensino, investir em escolas profissionais, convencer trabalhadores e empresas que a formação é incontornável e, sobretudo, gastar dinheiro bem gasto.

Peças num puzzle

Mais e melhor Segurança Social, empresas competitivas e adaptadas à globalização do comércio, trabalhadores seguros e qualificados. A Europa tem que encontrar uma forma de competir no mercado mundial, em confronto directo com os salários dos trabalhadores fabris e dos técnicos altamente qualificados da China ou da Índia, ao mesmo tempo que defende o modelo social europeu. O objectivo é partilhado por todos, mas o caminho para lá chegar é tudo menos consensual.

A proposta inicial pensada pela equipa de Ton Wilthagen (o ideólogo) e depois posta em prática por Poul Rasmussen (na Dinamarca) aponta uma miríade de soluções "flexisseguras". Entre elas, assegurar que um trabalhador tem emprego, mesmo que seja em mais do que uma empresa; que o subsídio de desemprego será condigno de forma a que as pessoas não receiem perder o trabalho; que mesmo que perca o trabalho tem qualificações actualizadas, de forma a rapidamente encontrar outro emprego; que os contratos são flexíveis o suficiente para que as empresas não tenham medo de colocar trabalhadores nos quadros...

A lista de tipos de flexibilidade e de segurança é interminável e cada país terá que decidir quais das possíveis "peças do puzzle" mais lhe convêm. Caso queira adoptar esta política, Portugal terá que discutir qual será a mais adequada.

"O que mais querem?"

A CGTP não quer discutir o assunto porque entende não haver mais cedências a fazer pelos trabalhadores. "Tal como está a ser interpretada, a flexissegurança implica o despedimento livre", garante o dirigente Joaquim Dionísio. A lei laboral já prevê todos os tipos de flexibilidade possíveis, diz. "Despedimentos, mobilidade geográfica e funcional [de tempo de trabalho], cedência de trabalhadores e contratos a termo até seis anos. O que mais querem?", questiona. Dionísio lembra que o Partido Socialista votou contra a actual lei, aprovada pelo PSD/PP, e receia que Portugal venha a ser obrigado pela União Europeia a adoptar mais flexibilidade.

Há vida além do Código

Pelo menos no discurso inicial, a posição dos patrões é compatível com a dos trabalhadores. Francisco van Zeller, da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), inicia a conversa a lembrar que "a flexissegurança envolve muitas outras coisas sem ser a lei laboral" e que "só é aceitável se for garantida segurança, que não pertence à esfera do Código do Trabalho". O presidente dos industriais referia-se a maiores políticas activas de emprego, como formação profissional, e a mexidas no valor do subsídio de desemprego, entre outros. E garante estar disponível para discutir novas formas de regular a relação entre trabalhadores e empregadores, defendendo que deve ser feita ao nível sectorial e não por uma lei que abranja todos os trabalhadores de todas as áreas de actividade.

Flexibilidade diferenciada


Deixar para a negociação directa num dado sector de actividade o acordo sobre uma maior flexibilidade laboral é uma proposta que a UGT está disposta a adoptar. O dirigente Vítor Coelho põe a tónica na protecção aos trabalhadores e não revela em que as áreas do código laboral a central está disposta a ceder um pouco, mas admite que não se pode dar o mesmo tratamento a um sector de actividade pujante do que a um em crise. E que uma empresa exportadora necessitará sempre de maior margem de manobra do que uma abrigada da concorrência internacional. Mas também a UGT não consegue "imaginar o que [os patrões] querem mais. Às vezes querem coisas e depois, quando as têm, não as usam", disse.