10.6.07

No Norte, o emprego fica à mão no lado de lá do rio Minho

Ana Cristina Pereira, na Galiza, in Jornal Público

Cerca de 22 mil portugueses moram no lado de cá e trabalham na margem de lá da fronteira, 17 mil dos quais estão irregulares


Morava na Suíça. O filho fez seis anos, ia entrar no 1.º ano do ciclo e o pai achou que era altura de tornar a casa, mas "a situação em Portugal estava crítica". O patrão, que é cunhado, arranjou uma subempreitada na Galiza, trouxe "o pessoal dele". Carlos está encarregado de 28 portugueses que, como ele, saem de casa segunda-feira de madrugada para só regressar sexta à noite.

A construção civil e obras públicas, na Galiza, está de boa saúde e recomenda-se. Entre 2000 e 2006, registou um crescimento de 92,6 por cento. No decurso da última década, o emprego no sector "cresceu consideravelmente" mais ali (41,1 por cento) do que no conjunto da economia espanhola (28,6 por cento), indica o estudo Mobilidade de Trabalhadores Portugueses no Sector da Construção Civil e Obras Públicas entre o Norte de Portugal e a Galiza, coordenado por Cádima Ribeiro, da Universidade do Minho. Deste lado da fronteira, após a construção dos estádios para o Euro 2004, é a letargia.

O ritual da partida

Todas as segundas de madrugada, aldeias inteiras do Norte esvaziam-se de homens em idade activa. Alguns voltam todas as noites, outros só na sexta-feira ou no sábado, numa migração que os especialistas chamam "deslocamento de retorno contínuo". Carlos não aprecia, aos 41 anos, "andar toda a semana fora, mas há quem esteja pior". Dorme num apartamento alugado pelo patrão, come "diárias" num restaurante. Há quem coma, tome banho e durma em contentores ou no rés-do-chão da obra em curso. Há subempreiteiros que descontam 400 euros mensais pelas despesas de manutenção e transporte.

A chegada maciça, organizada, nota-se desde 2005. Em Abril de 2007 estavam inscritos 11.679 portugueses na Segurança Social, quando ao longo de 2004 estiveram 6299. Pouco, atendendo ao vaivém das carrinhas de matrícula lusa. Pelas contas dos sindicatos galegos, 22 mil trabalhadores do Norte do Portugal cruzam a fronteira para trabalhar naquela região autónoma, sobretudo, no sector da construção civil. Mais de 17 mil em situação irregular, como Carlos.

Cada província celebra anualmente um convénio por sector. Ao exercer legalmente a actividade de servente em Pontevedra, por exemplo, um operário tem direito a 889 euros de salário-base, 84,03 de subsídio de transporte, 13 euros por hora extraordinária, explica Francisco Gonzalez, das Comissões Obreiras. Com as típicas duas horas extras diárias, leva 1500 euros por mês. Carlos é encarregado e assina uma folha salarial de mil euros mensais, embora receba mais "por fora". Ganha menos que um galego e a sua Segurança Social é paga em Portugal.

O salário "compensa, apesar de ser um bocado ao lado". Como Carlos pensam outros que saem da Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Cabeceiras de Basto, Porto, Vila Real, Bragança... Para grandes obras públicas, mas também para a construção de moradias.
Muitos são trabalhadores da indústria têxtil, do calçado e construção que fogem ao aumento do desemprego em Portugal. Tendem a ocupar postos que exigem uma baixa especialização técnica. Mas também há trabalhadores qualificados que exercem funções como assentadores de azulejos, ferreiros, carpinteiros... Os galegos da construção, esses, avançam para as Canárias e para o País Basco, onde os salários são mais apetecíveis. Da Galiza para o Norte de Portugal deslocam-se uns três mil para trabalhar, principalmente, na área da saúde.