15.6.07

Os três eixos da presidência

Marcelo Hernandez, in Jornal de Notícias

Será a cimeira de estreia da presidência portuguesa, logo no dia 4 de Julho. Imposta por pressão portuguesa, mas já com garantias de presença, por exemplo, da alemã Angela Merkel, é definida como uma prioridade pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.

Luís Amado diz que a cimeira dará "uma visão" nova "da responsabilidade da Europa enquanto força de equilíbrio". Considera que a UE "deve ter com a América Latina um diálogo estratégico mais elevado do que o que tem tido nos últimos anos, pensando também que o Brasil é uma âncora nessa relação".

Porquê? É simples. "Sendo o Brasil um actor de relevo no plano internacional, é uma das economias emergentes, tem assumido um papel de liderança nas negociações em curso, designadamente sobre o comércio internacional. O reconhecimento pela Europa de que o Brasil tem tido esse papel é também assumir a visão que temos de uma Europa capaz de falar com os diferentes actores do plano internacional", assume.

Assim, e se a Europa quer ter algum papel mais liderante em questões que exigem uma acção global - em questões como "as alterações climáticas, as questões energéticas, as questões de segurança alimentar, a não proliferação, gestão e prevenção de conflitos, luta contra a pobreza...", só pode assumir esse papel se o fizer "em condições de gerir as suas relações com equilíbrio." Por isso, torna-se imperioso alargar as habituais cimeiras com a China, Índia e Rússia também ao Brasil. "Os nossos parceiros europeus reconheceram o papel muito relevante que o Brasil tem no sistema internacional", diz o ministro.

É a 8 de Dezembro, porém, que chega o momento mais simbólico da presidência. São esperados em Lisboa mais de 80 chefes de Estado africanos, para a primeira cimeira entre União Europeia e União Africana dos últimos anos.

O evento não é meramente simbólico. A ofensiva económica chinesa no continente africano ameaça já ser uma verdadeira nova colonização, com marcas também nos modelos políticos seguidos em muitos regimes.

Luís Amado mostra-se, no entanto, optimista "Podemos ter uma agenda interessante do ponto de vista do legado. Porque pretendemos fazer aprovar uma estratégia conjunta - que é o resultado do trabalho da UE e da União Africana -, um mecanismo que permita a ambos definirem com mais rigor como querem cooperar no futuro para o desenvolvimento dos continentes, em sectores como o da segurança e da cooperação."

A questão dos valores, assegura o ministro português, também não passará ao lado do encontro "No plano político ou no plano económico, essa capacidade de definir um diálogo estratégico com África, em condições participadas pelos africanos que permitam salvaguardar o que tem sido a experiência histórica profunda da relação entre a Europa e continente africano, justifica por si só esta cimeira."

O que ninguém nega é a sombra chinesa que pairará sobre a reunião. Amado admite que, também na reunião prevista com a China, "a questão do desenvolvimento africano é decisiva - já que hoje se constitui como um dos problemas com que o sistema internacional se confronta.

Finanças, Comércio, Negócios Estrangeiros e Migrações. São, ao todo, quatro, as cimeiras que se vão realizar durante a presidência portuguesa entre ministros dos dois lados do Mediterrâneo. Um sinal importante de que as relações entre os dois blocos se poderão intensificar.

A aposta não passa, claro, ao lado do Governo português. "O que está em causa", diz Luís Amado ao JN, é a capacidade de a Europa contribuir para a estabilidade e desenvolvimento de uma vasta região que tem relações muito estreitas com a Europa e que constitui um dos principais desafios para todos nós."

Esses desafios passam necessariamente pela "linha de fractura" que se tem vindo a acentuar depois do 11 de Setembro. "Atravessa a relação entre o mundo árabe/islâmico e o mundo europeu/ocidental. Essa linha tem que ser cuidada do ponto de vista político. O que temos sublinhado é que a Europa precisa de encarar as relações com esta região com uma grande exigência estratégica face à natureza das ameaças", refere o ministro dos Negócios Estrangeiros.

A questão dos fluxos migratórios é uma face do problema. "O que é preciso é perceber que, se há uma linha de fractura, a ideia da fortaleza é absolutamente irrealista face às relações económicas que a globalização nos impõe. Por isso, sem descurar os aspectos securitários, não podemos deixar de encarar a forma como o desenvolvimento, a estabilidade, o crescimento económico e a estabilidade política da região se podem vir a projectar nas próximas décadas, para conter a expansão de radicalismos". A mensagem fica sublinhada, para quatro reuniões em cinco meses.