28.6.07

População das cidades ultrapassa a do campo em 2008, mas ONU não vê nisto um problema

Ricardo Garcia, in Jornal Público

Relatório diz que viver nas cidades é bom, mas que é preciso refrear o ritmo
do crescimento urbano


O mundo terá mais gente a viver nas cidades do que no campo em 2008. Mas o crescimento urbano é positivo, inevitável e não vale a pena travá-lo à força, diz a ONU, num relatório divulgado ontem.

A questão da urbanização é o tema central do documento Situação da População Mundial 2007, do Fundo das Nações Unidas para a População. Segundo o relatório, a população urbana mundial chegará a 3,3 mil milhões de pessoas em 2008, ultrapassando pela primeira vez na história da humanidade a população rural.

Até 2030, serão quase cinco mil milhões os habitantes das cidades. O maior crescimento ocorrerá na África e na Ásia, cuja população urbana deverá duplicar entre 2000 e 2030.

O conjunto dos países menos desenvolvidos tinha 18 por cento dos seus habitantes a viver nas cidades em 1950 (309 milhões). Em 2030, serão 56 por cento (3,9 mil milhões). O mesmo processo já ocorreu na América do Norte e na Europa, mas em 200 anos - de 1750 a 1950.

O relatório da ONU procura desmontar o mito de que o crescimento das cidades é um problema. O documento diz exactamente o contrário: "Existem claras evidências de que a urbanização pode desempenhar um papel positivo no desenvolvimento social e económico."

Contrariar é inútil

As cidades, acrescenta o relatório, garantem acesso mais barato a bens, infra-estruturas e serviços, facilitam a redução da pobreza e oferecem mais oportunidades para um desenvolvimento sustentável. "As pessoas percebem intuitivamente as vantagens da vida urbana. Isso explica por que milhões se mudam para as cidades todos os anos", conclui o relatório.

Os decisores políticos, porém, não pensam da mesma maneira. "Para os decisores, não é tão evidente que a concentração nas cidades seja boa", disse ao PÚBLICO Nélida Rodrigues, especialista do Fundo das Nações Unidas para a População. Muitas políticas, sobretudo em África e na Ásia, estão orientadas para contrariar a migração para as cidades, tentando reter a população no campo. O relatório diz que é "uma estratégia fracassada".

O problema, segundo a ONU, é o crescimento rápido e descontrolado, com milhões de habitantes urbanos impedidos do acesso aos benefícios que as cidades podem oferecer. E, para que este problema seja atacado, os decisores têm de esquecer um segundo mito, o de que a explosão urbana é resultado das migrações.

A razão principal, na verdade, está no crescimento natural da população urbana, sobretudo dos países em desenvolvimento. Este aspecto "pode ser enfrentado de maneira mais efectiva por meio da redução da pobreza, promoção dos direitos das mulheres e melhoria dos serviços de saúde reprodutiva", segundo o relatório.
Se o crescimento rápido for controlado pelo declínio da natalidade, os decisores políticos terão "mais tempo para preparar o terreno para a expansão da população urbana".

Para Nélida Rodrigues, o que está em causa não é obrigar a que as mulheres tenham menos filhos, mas dar-lhes condições para escolher.

3,3
mil milhões de pessoas viverão nas cidades em 2008 - mais do que a população rural

72%
é o aumento previsto da população urbana entre 2000 e 2030, em cidades com mais de cem mil habitantes

175%
é o aumento estimado da área ocupada pelas mesmas cidades no mesmo período