12.6.07

Quatro a cinco mil crianças trabalham na agricultura

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

PETI não vê mal algum no facto de os miúdos ajudarem a família, mas alerta para o perigo da transformação da ajuda em trabalho


É preciso não confundir a exploração do trabalho infantil com as formas aceitáveis de ajuda familiar. "O trabalho pode ser um valor, a exploração é um crime", sublinha a directora do Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PETI), Joaquina Madeira, a propósito do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, que hoje se assinala e que este ano é dedicado à agricultura.

Persiste uma tendência para considerar a participação das crianças na agricultura como parte do seu processo de socialização, o que dificulta a denúncia. O ano passado, as equipas do PETI detectaram 99 casos de exploração no sector.

Impõe-se "sensibilizar as famílias, que, às vezes, não têm consciência" dos riscos, refere Joaquina Madeira. "Não há mal em ajudar, mas o que é ajuda pode transformar-se num trabalho sem ninguém dar por isso".

Há que recordar o que é exploração do trabalho infantil. O conceito, definido pela Organização Internacional de Trabalho (OIT), alude à idade mínima de admissão a emprego e engloba todo o tipo de trabalho que, pela sua natureza ou pelas condições em que é exercido, seja susceptível de prejudicar a saúde, o desenvolvimento físico ou psíquico do menor, bem como a sua educação.

Limite das 15 horas semanais

Não é só o tempo roubado ao lazer ou ao estudo. Há limites que têm a ver, por exemplo, com manusear produtos ou ferramentas perigosas, conduzir máquinas não adequadas à idade, carregar pesos excessivos para a sua estrutura física. Se a família não tem cuidado, adverte a directora do PETI, a criança pode acabar por mexer em pesticidas e por ficar com problemas respiratórios, por exemplo.

Faltam estudos recentes sobre esta realidade em Portugal. O grande inquérito realizado em 2001 indicava 48 mil crianças economicamente activas no país, 48,4 por cento dos quais na agricultura. Estes 23.696 menores não eram todos vítimas de exploração laboral. Simplesmente, na semana de referência para o estudo, tinham trabalhado pelo menos uma hora no campo. Na verdade, atendendo ao ritmo e intensidade da sua actividade, verificava-se que 80 por cento trabalhavam menos de 15 horas por semana.

Paula Monteiro, técnica do PETI, pegou nestes dados e fez o afinamento proposto pela OIT em 2002: não contar como trabalho infantil os casos de menores sujeitos a um trabalho não remunerado até um máximo de 15 horas semanais.

Conclusão: a realidade nacional não era tão negra como tem sido pintada. Em 2001, Portugal tinha 4739 menores em situação de trabalho na agricultura. Se o inquérito fosse realizado hoje - acredita Joaquina Madeira - as taxas de incidência não seriam diferentes. Tão-pouco os contextos, os ritmos, a natureza e o tipo de trabalho.
"A agricultura continua a ser o principal sector de actividade onde trabalham jovens em Portugal: as actividades agrícolas são exercidas maioritariamente por rapazes e os grupos etários situam-se entre os 12 e os 15 anos", adiantou Paula Monteiro, num encontro organizado pelo PETI e pela OIT para comemorar o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil.

Trabalhar para o património

Um estudo exploratório feito na sequência do primeiro inquérito nacional - realizada nos concelhos do Tâmega - apontava, de forma clara, para uma tendência de reprodução social do fenómeno.

A quase totalidade dos menores exercia um trabalho familiar não--remunerado (fazer sementeiras, cuidar da horta, regar, cuidar do gado, sachar/mondar, apanhar fruta...). Desenvolvia, sobretudo, actividades sazonais (Setembro e Outubro, por altura das vindimas; Junho, Julho e Agosto, quando se preparam os campos para determinadas culturas) de fim-de-semana.

A esmagadora maioria (87 por cento) trabalhava menos de 15 horas semanais. A maior parte frequentava o ensino oficial e os que o não frequentavam atribuíam o abandono ao facto de não gostarem da escola.

Tudo preparado para perpetuar o fenómeno. Muitos familiares tinham começado a trabalhar muito cedo. Os pais percepcionavam de forma positiva a participação das crianças e jovens nas tarefas agrícolas.

"Eles diziam (e dizem) que estão a trabalhar para o seu património", recorda a directora do PETI. Queriam que os filhos aprendessem a lidar com as terras que um dia seriam suas. E alegavam não haver mão-de-obra para contratar (mesmo que houvesse, alguns não teriam dinheiro para o fazer). As crianças, por sua vez, exibiam gosto pelo trabalhado desenvolvido e baixas expectativas no que concerne, por exemplo, à mobilidade social.

O grosso das explorações agrícolas, em Portugal, são de natureza familiar. Os casos que passam a exploração são difíceis de detectar, até porque a Inspecção-Geral do Trabalho não fiscaliza pequenas explorações familiares. As escolas são as principais sinalizadoras destas e das outras formas de trabalho infantil.

Trabalhou a infância inteira, a adolescência inteira. Os pais eram agricultores. Zeferina Santos e os irmãos saíam da escola e iam ajudá-los no campo. "O pior era as vindimas e os meses de plantar ou cavar batatas; de resto, era apanhar uma ervinha à vaca ao final do dia". Agora, que tem 36 anos, olha para trás e não sente a raiva que então sentia. "No fundo, aquilo era saudável. Era exercício físico. Tinha tempo para estudar e para brincar. Se reparar, os meus filhos têm um nível de stress muito mais elevado. É muito stressante andar no meio do trânsito de um lado para outro, de casa para a escola, da escola para as actividades, das actividades para casa". O mais velho conta dez anos e só tem meia tarde não direccionada, isto é, por sua conta: todas as sextas-feiras, depois das 16h00: pode "socializar", receber um amigo em casa para brincar. De resto, é o futebol, o críquete, a natação, o teatro, as aulas de Português... A irmã, que completa hoje seis anos, consegue ter o sábado todo livre. Por enquanto... Zeferina corre, qual motorista, a apoiar estas maratonas infantis feitas de ocupações lúdicas e pedagógicas.

800202076
é o número verde que qualquer cidadão pode usar na denúncia de situações de exploração do trabalho infantil