13.9.07

Para os que sobrevivem, "a vida tornou-se insuportável"

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Nos encontros que teve em Lisboa, o presidente do Fórum das ONG para os
Direitos Humanos, Noel Kututwa, falou de um país "a ser literalmente destruído"


Uma situação "muito desesperada". É assim que Noel Kututwa descreve a vida no Zimbabwe, um país em lenta decomposição. "Tem havido muita política em torno da situação e da cimeira UE-África por causa do Zimbabwe. Mas o importante é não esquecer que milhares de pessoas morrem todas as semanas e o país está a ser literalmente destruído", diz. Para os que sobrevivem, cidadãos comuns, "a vida tornou-se insuportável".

A inflação ultrapassou em Julho os 7600 por cento e o desemprego atinge 80 por cento da população. A esperança de vida desceu para os 36 anos. A fome, até há pouco tempo apenas no campo, chegou às cidades, onde alguns lares ficam sem electricidade durante mais de 18 horas e sem água por mais de duas semanas. A crise humanitária é, na origem, uma crise política, diz Noel Kututwa. O Fórum das ONG para os Direitos Humanos, a que preside no Zimbabwe, registou 25 mil violações dos direitos humanos nos últimos cinco anos.

Os problemas vêm de longe. Mas a principal viragem deu--se em 2000, com a política de redistribuição das terras que levou à expropriação dos fazendeiros brancos. "Foi uma reforma caótica e desadequada", uma arma política que o Presidente Robert Mugabe usou para ganhar votos nas eleições de 2000. Um ano antes, Morgan Tsvangirai criara aquele que prometia ser um partido forte da oposição - o MDC reuniu vários apoios e surgiu como verdadeira ameaça à ZANU-PF de Mugabe.

Nestes sete anos da lenta descida de um país antes próspero, a produção agrícola caiu 60 por cento e a maioria das indústrias - muitas delas ligadas à agricultura, que era até então a base da economia - fechou. "Muitas pessoas perderam os seus empregos e mesmo aqueles que trabalham não ganham para pagar o preço do transporte para o trabalho", explica Noel Kututwa.

O comércio, de prateleiras vazias e estações de serviço fechadas, abriu espaço para um mercado paralelo de preços irrealistas. "É uma batalha diária pela sobrevivência."

A crise social é "sintoma da situação política, das más medidas económicas do Governo, da falta de transparência e de democracia e das violações graves dos direitos humanos". Kututwa refuta a ideia de que Mugabe esteja a ser "diabolizado" no Ocidente. Não tem dúvidas: "O Zimbabwe transformou-se numa ditadura e Mugabe num ditador."

"Os dirigentes da oposição são espancados. Os jornais privados estão impedidos de sair. Não há estações de rádio nem televisões ou jornais livres. As eleições não foram justas nem transparentes", lembra. "Tudo são factos que podem ser demonstrados." Como foi demonstrada, com fotografias, a violência contra os dirigentes da oposição espancados pela polícia em Março. Pensou-se que a força das imagens viria a impor uma maior pressão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Mas desde então, pouco mudou.