23.9.07

Veículo de saúde estaciona nas aldeias isoladas de Arouca

Sara Dias Oliveira, in Jornal Público

Aplicar a telemedicina, colocar boletim de vacinas em dia e transportar receitas são os objectivos deste projecto pioneiro


Custódio Martins, de 73 anos, é o primeiro cliente da unidade móvel de saúde de Arouca. A carrinha pára em Meitriz, após 20 quilómetros de viagem, 45 minutos de caminho por entre ruas e curvas apertadas. É a estreia da viatura que vai ao encontro dos doentes com pouca mobilidade, para combater situações de isolamento rural, em questões de saúde. "Diabetes não sei se tenho, agora doença tenho muita coisa, sofro muito do coração", diz, enquanto mostra aos enfermeiros as caixas de medicamentos acondicionadas no saco plástico. Mede-se a tensão arterial. "Ando a tomar comprimidos para isso e também para dormir", informa. Uma viagem poupada. "A reforma é pequenina e, para irmos ao centro de saúde, à vila, temos de chamar um carro de praça [táxi] e pagamos cinco contos", revela a esposa, Helena Figueiredo, de 70 anos. "Isto é bom, e assim já se poupa alguma coisinha", acrescenta.

Custódio Martins ficou satisfeito com a consulta. "É mais simples, é mais pertinho, lá no centro de saúde é preciso tirar a ficha e esperar pela vez." Raquel Gomes, de 18 anos, viu o problema de hipertensão confirmado e ouviu alguns conselhos sobre cuidados alimentares. Nada de sal. "Acho bem a carrinha vir até aqui", diz a jovem, de poucas palavras, que espera o início das aulas para retomar as consultas no centro de saúde.

Primeiro dia na estrada. Dos 11 habitantes de Meitriz, seis foram examinados. Resultado final: 50 pessoas atendidas - 29 das quais com problemas de hipertensão -, cinco aldeias, dois enfermeiros ao serviço, das 9h00 às 15h00. "A maioria está vigiada ao nível da hipertensão, mas não controlada", avisa o enfermeiro Serafim Andrade.

"Com este serviço, é possível fazer um diagnóstico da situação de saúde da população", explica a enfermeira-chefe, Teresa Barata. "O que nos preocupa são os casos que não aparecem no centro de saúde." Estima-se que 30 por cento da população de 25 mil arouquenses não recorram aos serviços de saúde. "Pretende-se também atender as pessoas dependentes, que não se podem deslocar com tanta facilidade ao centro de saúde", acrescenta. É o caso de Adelina Gomes, com quase 91 anos. Sentada na cadeira de rodas, move-se com a ajuda da sobrinha. É ela que trata de tudo, descreve as doenças, que não são poucas, vai buscar a casa a medicação da tia, que pouco fala, apesar do sorriso permanente no rosto. "Isto é novo, vamos lá ver como corre. Para levar a minha tia ao centro de saúde, tenho de chamar a ambulância", conta Maria da Conceição Teixeira, de 60 anos. São 13 euros que lhe saem do bolso. Janarde tem quatro habitantes. São todos atendidos. Rastreio de diabetes, hipertensão, obesidade. Ver se as vacinas estão em dia, verificar as tomas dos medicamentos prescritos. Dar alguns conselhos, principalmente por causa dos temperos da carne, que muito se come por ali.

Em Telhe, há mais habitantes do que em Janarde. "São eles, são eles. A carrinha chegou", gritam os mais novos ao primeiro sinal do veículo. Mais de 20 pessoas, idosos, adultos, crianças, esperam calmamente pela vez. Alguns sentam-se, aguardam à sombra, em amena conversa. Todos se conhecem pelo nome. Manuel Gomes, de 86 anos, aguarda. "Tenho de apoiar-me num pau ou num guarda-chuva, são as minhas bengalas", justifica-se pela presença do guarda-chuva num dia de sol. "Venho cá para ver se posso tomar estes comprimidos", confessa, ao mostrar o saco plástico com várias caixas. Poupou uma viagem ao centro de saúde, onde lhe vigiam os problemas de coração. "Depois de arranjar a minha vida, costumo apanhar boleia do meu genro. Para casa, apanho um táxi e pago 10 euros."

Avaliação regular

"Isto é uma maravilha." Maria Glória Duarte, de 71 anos, sofre do coração e está satisfeita com a vinda da carrinha. "Trago tudo para mostrar, sou seguida todos os meses no centro de saúde. Lá, tenho de tirar a vez, estar à espera, depois há médicos que têm de ir para uma reunião e espero muito", repara.

O director do Centro de Saúde de Arouca, Dias Costa, adianta que será feita uma avaliação regular aos serviços da unidade móvel, de forma a definir prioridades e, eventualmente, alterar percursos. "Far-se-ão avaliações periódicas para pesar os prós e os contras, os tempos e os custos... Mas os custos devem estar em último lugar", afirma. A adesão e as situações detectadas no terreno serão as grandes conselheiras. Mesmo assim, o responsável tem alguns projectos na cabeça. Não desiste da ideia de poder aplicar a telemedicina, numa fase inicial na área de Cardiologia, nas aldeias mais afastadas de Arouca - possivelmente através de satélite. Fazer sessões de educação para a saúde está também em perspectiva. Dias Costa acredita que é possível contrariar a ideia de que as estruturas móveis de saúde não despertam o interesse das pessoas que vivem em aldeias quase isoladas. O primeiro dia de viagem acabou por ser esclarecedor para os técnicos. Na lista, está já levar vacinas na carrinha e eventualmente receitas prescritas pelos médicos de família dos pacientes atendidos.

Um serviço terra a terra. Um complemento ao trabalho feito pelo centro de saúde e quatro extensões de Arouca. "Não é um serviço paralelo, mas integrado nos cuidados de saúde, complementando-os", afirma Dias Costa. A unidade móvel arrancou com o serviço de enfermagem, mas o objectivo é também disponibilizar a área da medicina. O problema é que os recursos humanos não esticam. O responsável revela que poderá ser possível os médicos, muito esporadicamente, substituírem as consultas que fazem no centro de saúde e irem na carrinha. Um por percurso. "É um projecto dinâmico e sujeito as avaliações que fazemos no terreno", reforça.

A Câmara de Arouca tratou da candidatura de 55 mil euros, comparticipada em 48 mil por fundos comunitários, e responsabiliza-se por todos os custos inerentes à circulação do veículo. "Esta candidatura surge muito em função das particularidades do concelho de Arouca. É um município disperso, com 328 quilómetros quadrados de superfície, com aldeias tradicionais, de montanha", explica o presidente da edilidade, Artur Neves. "Pretendemos com esta unidade dar conforto e qualidade de vida às pessoas." A autarquia tratou ainda da divulgação e a informação foi passando de boca em boca, através dos padres ou dos presidentes de junta. Os cartazes foram afixados em pontos estratégicos do município.