20.10.07

Os fios com que se foi tecendo nos bastidores a forma final do Tratado de Lisboa

Teresa de Sousa,in Jornal Público

Angela Merkel foi sempre a primeira a intervir. Vantagem para a presidência. Nicolas Sarkozy foi igual a si próprio - não resiste à tentação do protagonismo. Zapatero não podia ter sido mais cooperante. "Um irmão." Brown nem sequer vacilou quando a espinhosa questão italiana se resolveu igualando a Itália ao Reino Unido. Tudo isto mais o cuidado português de nunca empurrar os polacos contra as cordas e uma equipa de negociadores tão discreta quanto eficiente foram os segredos de uma negociação que ofereceu o brinde à presidência portuguesa.

A história pode contar-se mais ou menos assim.

Tudo começou, pode dizer-se hoje, quando José Sócrates, nas últimas horas do dramático Conselho Europeu de Junho, disse a Angela Merkel que não estava disposto a aceitar uma solução a 26. A teimosia polaca desembocara num impasse que nem a persistência e a paciência da chanceler pareciam conseguir resolver.

Portugal queria um mandato "claro e preciso" para a CIG que deveria concluir as negociações do Tratado. Mas queria um mandato a 27. Foi aí que começou a ser escrito um guião que a presidência seguiria à risca nos meses seguintes.

A questão polaca pairou sempre sobre o destino das negociações. Com altos e baixos e uma viagem discreta a Varsóvia, na semana passada, do secretário de Estados dos Assuntos Europeus, Manuel Lobo Antunes. No fim e à falta de melhor argumento, a diplomacia portuguesa tocou a corda mais sensível: imaginem o que pode a Alemanha fazer com o compromisso de Ioannina...

Sócrates chegou à cimeira com três soluções alternativas - a melhor, a pior e a intermédia. Não precisou sequer de tirar do bolso as duas últimas. "Apenas foi preciso meia hora" para que Lech Kaczynski, o gémeo Presidente, começasse a mostrar a abertura necessária para remover do caminho o mais persistente quebra-cabeças das negociações.

O esvaziamento da questão polaca foi, aliás, uma das maiores surpresas do primeiro dia da cimeira. Não sem alguns, ligeiros, calafrios.

Na "volta à mesa" com que José Sócrates abriu os trabalhos pelas seis e meia da tarde, o Presidente polaco ainda utilizou termos "muito duros". Os sinais de cedência começaram a surgir quando a conversa passou a ser bilateral. Antes do jantar, havia já a garantia de que a Polónia tinha vindo para negociar.

Sarkozy entrou em acção: "Mr. Sócrates, Madame Merkel e moi même on a reussit assez vite..." Aliás, faria o mesmo em relação a Prodi, o segundo e imprevisto "quebra-cabeças" que desabou quase literalmente sobre a cimeira. E que foi resolvido com uma frase magistral: o Parlamento Europeu terá "750 membros mais o Presidente". Atenção, que isto não é o mesmo que dizer que o Parlamento Europeu terá um tecto de 751 membros. "Apenas um teste às capacidades aritméticas dos líderes europeus..."
Se não fosse a boa vontade de Brown, que não levantou um dedo, ou a solidariedade fraterna de Zapatero, "que se portou como um irmão"... as contas podiam ter sido outras.

Sentados à mesa, em volta de um linguado e de um Cartuxa branco, foi com uma salva de palmas genuína que os líderes europeus receberam as palavras que Sócrates mais ambicionava pronunciar: "Posso portanto constatar que há um acordo político..."
Passava pouco das 11 da noite e a história só não acaba aqui porque foi ainda preciso dirimir a última questiúncula, levantada pelo Parlamento Europeu, sobre a entrada em funções do novo Presidente e do Alto-Representante... Que Sócrates viria a resolver, por uma vez, à bruta. Meus senhores, como ninguém se entenda, fica a primeira solução apresentada pela presidência... E foi mesmo assim. "Well done. We are very pround of you", disse o líder britânico. Estava concluída a CIG mais curta da história da União.