20.10.07

"Virámos uma grande página da História"

Teresa de Sousa, in Jornal Público

José Sócrates deu por cumpridos os objectivos. A seu lado, Durão Barroso disse: "Hoje começamos a reformar a Europa". Terminou uma longa crise


Ironia do destino? Feliz coincidência do calendário? Foram dois portugueses, o presidente do Conselho Europeu e o presidente da Comissão Europeia, quem ontem encerrou em Lisboa o último capítulo da longa crise institucional da União Europeia.
Um acordo histórico alcançado nos primeiros minutos da madrugada de sexta-feira permitiu-lhes anunciar que o novo tratado se chamará "de Lisboa", que será assinado pelos chefes de Estado e de Governo no dia 13 de Dezembro no Mosteiro dos Jerónimos. Cinquenta anos depois do Tratado de Roma e 22 anos depois da adesão de Portugal.
Seguindo um guião que pouca gente acreditava ser possível cumprir, José Sócrates pode dar-se ao luxo de encerrar os trabalhos da cimeira informal de Lisboa e de apresentar as suas conclusões mesmo antes da hora prevista. "Cumprimos todos os nossos objectivos. Não podemos enviar uma melhor mensagem de confiança às economias europeias, às sociedades europeias e ao mundo."

O primeiro-ministro português tinha apostado em concluir um acordo com os seus pares a tempo de dedicar a última sessão de trabalho da cimeira, ontem de manhã, aos desafios da globalização. Um sinal de que a Europa, vencida a maior crise política da sua história, estava finalmente em condições de olhar para a frente e para fora.
"Ontem virámos uma grande página da História da Europa, conseguimos um acordo sobre o Tratado reformador. Hoje começamos a reformar a Europa", acrescentou, a seu lado, Durão Barroso. "Ganhámos o espírito de confiança necessário para começarmos a moldar o mundo globalizado". E, para José Sócrates, "Portugal pode estar orgulhoso da sua presidência".

Seis anos depois de se ter lançado num longo, profundo e tumultuoso processo de reforma interna para tentar adaptar-se à sua nova dimensão e às novas condições do mundo pós-guerra fria, é com alívio que os líderes europeus querem esquecer por uns tempos, de preferência largos, a "introspecção" institucional. "Espero que viva muitos anos", disse Sócrates.

Longa vida, pois, ao Tratado de Lisboa, que não é a ambiciosa Constituição europeia, que pode não ser a reforma que todos pretendiam, mas que é, como disse a chanceler alemã, a reforma que foi possível. Apenas um tratado "à altura do nosso tempo". Ainda não "o fim da História", nem muito menos o fim da presidência portuguesa.
O Tratado de Lisboa será assinado pelos chefes de Estado e de Governo no dia 13 de Dezembro, primeiro dia do último Conselho Europeu da presidência portuguesa da União, que a própria chanceler alemã sugeriu que se realizasse em Lisboa para suprema satisfação do seu homólogo português.

Desde Nice que a União decidiu que todos os seus Conselhos Europeus se realizariam em Bruxelas. Falta ainda resolver alguns problemas burocráticos para que isto seja possível. Mas essa seria a coroação perfeita de uma presidência que Portugal acaba de ganhar ao associar-se irrevogavelmente não apenas ao novo tratado europeu como a uma imagem de "facilitador" eficaz, honesto e equilibrado, que ontem mereceu os elogios de todos.

A questão das fronteiras

Até lá, a presidência tem ainda um caminho exigente a percorrer. Que agora o primeiro-ministro e os seus pares dizem encarar com mais optimismo. "Partiremos mais fortes para as cimeiras com a Rússia, com a China e com a Índia, mais fortes para a questão do Kosovo, e o mundo sabe também que estamos mais fortes." Vladimir Putin chega a Lisboa já na próxima quinta-feira. Será o próximo e difícil teste para a Europa e para a sua presidência.

E se o trabalho da reforma institucional está concluído, sobra ainda o debate sobre as fronteiras da Europa do qual pelo menos a França não tenciona abdicar. Apesar de alguma resistência, Nicolas Sarkozy levou por diante a sua ideia de criar um "grupo de sábios" para reflectir sobre o futuro da Europa. Sócrates assumiu o compromisso de apresentar em Dezembro um figurino e um mandato. Ontem o primeiro-ministro não quis utilizar a palavra "fronteiras" para evitar a questão turca. Comprometeu-se apenas a que o mandato não incluirá nenhuma questão de natureza institucional.
Ontem, no Pavilhão do Atlântico, o tempo era de concórdia e de celebração.

Nicolas Sarkozy levou por diante a sua ideia de criar um "grupo de sábios" para reflectir sobre o futuro da Europa