16.12.07

Falta de apoio das famílias e turmas grandes dificultam planos de recuperação

Isabel Leiria, in Jornal Público

Tutela admite que medida instituída há dois anos para dificuldades de aprendizagem ainda não produziu os resultados esperados em muitas escolas de Portugal


Se muitas escolas já o faziam, foi a partir de 2005 que a determinação ficou escrita na lei. Sempre que, no final do 1.º período ou a meio do 2.º, um aluno do ensino básico revele dificuldades de aprendizagem notórias (tenha três ou mais negativas, por exemplo), os estabelecimentos de ensino têm de elaborar um plano de recuperação, que pode passar pela designação de um tutor, aulas de recuperação ou a divisão da turma por níveis. Para os alunos que chumbem no final do ano, ficou determinado que as escolas teriam igualmente de elaborar um plano de acompanhamento específico, com recurso a estas ou outras medidas.

Dois anos volvidos, o balanço feito pela tutela é este: "Houve escolas que organizaram muito bem o sistema de recuperação e esperamos que esses modelos se disseminem. Mas houve muitas outras onde não funcionou e os resultados não foram significativos. Estamos aquém do que precisamos", avalia o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos.

Apoio a alunos

Para o governante, mais do que recursos - "todos os professores têm no seu horário uma ou duas horas de tempo superveniente para o apoio aos alunos, num total de 200 mil horas de trabalho semanal", sublinha -, é a capacidade de organização das escolas que determina o sucesso da medida. "Há estabelecimentos de ensino que não instituem este objectivo e não o incorporam na sua cultura. Cumprem o despacho por cumprir. E aí corre pior", conclui o secretário de Estado.

"Enquanto não houver uma educação familiar consistente, podem vir os planos de recuperação todos, que não conseguimos resultados. Há famílias que não acompanham os filhos e pura e simplesmente não lhes acontece nada. Nestes casos, a escola pode fazer muito pouco", argumenta, por seu turno, António Gambôa, presidente do conselho executivo do Agrupamento de Escolas da Damaia (Amadora) e que integra a Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclo Pedro d"Orey da Cunha.

Estratégias de apoio

Aqui, são muitas as estratégias de apoio desenvolvidas. Com mais de 60 por cento dos alunos de origem africana, alguns que chegam à escola sem falar uma palavra de português; muitas famílias desestruturadas; e uma percentagem significativa de jovens com processos nos tribunais de menores, há muito que são postas em prática, garante a escola. Mas nem sempre o esforço é visível nos resultados escolares.

Tutores e horas extras

Os números espelham as dificuldades. Em 2006, depois de feito o diagnóstico no final do 1.º período, 300 dos pouco mais de 500 alunos (do 5.º ao 9.º ano) foram integrados em planos de recuperação.

"É quase uma escola paralela que se monta", descreve a professora Ana Medeiros, vice-presidente do conselho executivo. No final do ano, mais de metade transitaram. Mas houve 136 que não conseguiram.

Isto apesar das "imensas" horas de apoio, leccionadas extra-horário. Só que não só é difícil compatibilizar os tempos dos professores da turma com os dos alunos, como, por vezes, são os docentes que têm de ir à procura dos estudantes para os fazer comparecer nestas actividades, diz Ana Medeiros. "As famílias têm de estar do nosso lado para que o despacho possa ser cumprido", reforça.

No caso das tutorias, que implicam o acompanhamento individualizado dos alunos em tarefas tão elementares como a organização do caderno diário ou até, nalguns casos, cuidados básicos de higiene, é a falta de disponibilidade e de formação que dificulta a tarefa.

"Não é qualquer professor que tem este perfil. E quando perguntamos às instituições se dão formação nesta área, não encontramos. Trabalhamos de forma empírica, com base no bom senso e na experiência. Mas devia ser mais profissionalizado", afirma Ana Medeiros.

Mais professores para os apoios e a possibilidade de ter dois docentes a trabalhar em conjunto nas aulas mais problemáticas são outras das medidas que poderiam ajudar, acrescenta a vice-presidente do conselho executivo.

Manuel Esperança, presidente do conselho executivo da Escola José Gomes Ferreira, em Lisboa, admite a eficácia de algumas medidas, mas lembra que nem todas as propostas da tutela são exequíveis. "Quando temos turmas de 28 e 29 alunos, é impossível fazermos a pedagogia diferenciada em sala de aula. Só um professor não consegue dar resposta a vários grupos."

Valter Lemos assegura que todos os professores têm no seu horário tempo para apoio aos alunos.

As razões do sucesso finlandês

Aposta no diagnóstico precoce e muitos apoios

Aos 15 anos e ao nível europeu, os alunos finlandeses são os melhores nos testes internacionais de literacia científica, Matemática e de leitura. As taxas de insucesso e de abandono são absolutamente residuais. No ensino básico, apenas 0,005 por cento interrompem os estudos. E, apesar de a escolaridade obrigatória ser, como em Portugal, de nove anos, só 2 por cento não prosseguem para o secundário. Por tudo isto, o sistema educativo da Finlândia é já há vários anos apontado como um caso exemplar. Quais são as razões do sucesso? "Uma das características mais importantes do sistema educativo é combater o abandono escolar, o que se traduz na disponibilização de mecanismos de apoio. Para garantir o sucesso desta intervenção, o diagnóstico precoce de eventuais problemas de aprendizagem é fundamental", explica Katriina Pirnes, assistente de cultura e comunicação da Embaixada da Finlândia em Lisboa.

As orientações dadas pelo Ministério da Educação espelham esta preocupação. "Antes de se considerar que um aluno falhou, tem de lhe ser dada uma oportunidade através de um plano de recuperação, seja durante as aulas normais ou fora delas", lê-se na página da Internet do Conselho Nacional de Educação. E estes apoios têm de ser garantidos a "todos os alunos que temporariamente fiquem para trás nos seus estudos." Para além deste apoio, todos os estudantes recebem orientação e aconselhamento ao longo do ensino básico. O bem-estar físico, psicológico e social dos alunos é assumido como outra das condições essenciais ao sucesso, competindo às escolas e às autoridades sociais e de saúde assegurá-lo. I..L.