26.12.07

Haja esperança. Haja!

Alberto Castro, Professor universitário, in Jornal de Notícias

Já recomecei este artigo umas quantas vezes. Escrever uma peça para sair no dia de Natal é, pelo menos para mim, complicado. A pretexto das oferendas que os Reis Magos trariam ao Menino Jesus, o Natal foi, progressivamente, perdendo a sua matriz de valores e transformando-se numa desculpa para o consumo. Os nossos vizinhos espanhóis são, apesar de tudo, mais coerentes com a lenda, remetendo a entrega das prendas para a data em que se celebra a chegada dos Reis Magos ao local onde teria nascido o Menino.

Tenho temas suficientes para evitar a referência à data ou sequer à época. Apetece-me, porém, escrever alguma coisa que tenha a ver com a esperança que o nascimento de Cristo simboliza. Mais a mais, este ano fui prendado com o nascimento de três novos amigos (o Luís, a Francisca e a Lia) que, também eles, merecem que lhes ofereçamos a esperança de serem felizes. Será possível?

Nesta época ficamos talvez mais disponíveis para apreciar os pequenos gestos. Não sei se terá reparado na personalidade que a redacção do Expresso escolheu este ano para português do ano Isabel Jonet. A muitos o seu nome não dirá nada. É pena. Só por isso, a escolha do Expresso merece ser louvada e mantém acesa a esperança de que o jornalismo possa, afinal, ser diferente do que se tem vindo a tornar norma. Isabel Jonet é a alma do Banco Alimentar contra a Fome uma instituição que é, em si própria, simbólica da sociedade actual, tão farta e opulenta e, simultaneamente, capaz de gerar a exclusão e a fome. Para alguns, este tipo de instituições apenas serve para mascarar esse fenómeno, perpetuando a demissão do Estado no plano das políticas redistributivas. É verdade que Portugal se transformou numa sociedade em que, a pouca riqueza criada, parece ser toda apropriada por uma minoria, gerando a maior assimetria de rendimento da União Europeia. Poderia tratar-se de um fenómeno episódico ou, mesmo, de um elemento virtuoso que permitisse acumular os recursos necessários para um novo ciclo de investimento. A julgar pela evolução do consumo de bens de luxo e pela ostentação crescente, tal não é o caso.

Que haja alguém que, no meio deste ambiente, se proponha pôr de pé uma organização que canalize bens que, de outro modo, seriam desperdiçados e que, de quando em vez, nos venha desinquietar para a solidariedade, é obra. Exige coragem. O que diferencia, porém, o Banco Alimentar é, para mim, a forma exemplar como está organizado e é gerido. Fruto da iniciativa privada, é a prova provada de que, mesmo em áreas que se julgariam coutada exclusiva do Estado, é possível fazer melhor e diferente. O Banco Alimentar alia, sem hipocrisias, o profissionalismo, com o voluntariado mais altruísta. É um exemplo do muito que há a esperar das organizações sem fins lucrativos, ainda que o objectivo último possa continuar a ser a criação das condições para o fim da exclusão. Creio vir a propósito a citação de um poema de David Mourão-Ferreira, esquecido na memória, e que o meu amigo Carlos Brito fez o favor de me recordar

De mãos dadas talvez o fogo nasça, talvez seja Natal e não Dezembro, talvez universal a consoada.