14.12.07

O primeiro dia da Europa do Tratado de Lisboa

Sofia Branco e Maria João Guimarães, in Jornal Público

Comissão e Parlamento europeus deixaram apelo a uma ratificação célere, depois de se congratularem com o fim do impasse institucional


A Europa regressou aos Jerónimos. Mas, se comparada com a de 1985, quando Portugal aderiu à CEE, é agora uma Europa "mais forte" e "mais ambiciosa", destacou o presidente em exercício da União Europeia (UE), José Sócrates. "Com o Tratado de Lisboa, a Europa vence, finalmente, o impasse político e institucional que limitou a sua capacidade de acção nos últimos anos", disse o primeiro-ministro português, antes do acto formal de assinatura, ontem realizado em Lisboa.

"A História recordará este dia como um dia em que se abriram novos caminhos de esperança ao ideal europeu", vincou Sócrates, agradecendo, especificamente, "o empenhamento" da chanceler alemã, Angela Merkel - uma das seis mulheres, mas a única líder de um país, que pegaram na caneta de prata para deixarem a sua assinatura no tratado -, e do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

Na sua curta intervenção, como todas as que ontem se fizeram nos Claustros dos Jerónimos, José Sócrates deixou ainda um recado aos países mais eurocépticos. "O projecto europeu não elimina nem minimiza as identidades nacionais", mas sim "oferece um quadro de regulação multilateral de que resultam benefícios para o conjunto e para cada uma das partes".

Entre os primeiros a chegar à cerimónia estava Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo que, em 1985, assinou a adesão de Portugal à CEE, também no Mosteiro dos Jerónimos. Ao som de Rodrigo Leão, iam chegando os convidados, de Mário Soares a Medeiros Ferreira e Rui Machete, passando por António Costa, Maria João Rodrigues, Mota Amaral e António Vitorino.

Antes da cerimónia, Mário Soares, primeiro-ministro quando Portugal assinou o tratado de adesão à CEE, falou aos jornalistas. "O que interessa é que o tratado seja aprovado", disse o ex-Presidente da República, considerando que "o problema do referendo não se põe neste momento" e que, "se o tratado não fosse ratificado, seria uma crise gravíssima".

"O grande problema", continuou o ex-chefe de Estado, é explicar aos cidadãos as vantagens de um documento "um pouco confuso e complexo demais".

No exterior, e desde as 10h45, José Sócrates e Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, esperavam lado a lado, na passadeira azul, os outros líderes europeus. Em frente ao mosteiro, os automóveis paravam num conta-gotas ritmado: os líderes saíam, os olhos semicerrados com o sol de Lisboa, acenando aos que já se encontravam em cima, na galeria do Mosteiro, após abraços mais calorosos ou apertos de mão mais educados aos anfitriões. Juntos no interior do Mosteiro, ouviram o Hino à Alegria, de Beethoven, há muito o hino não oficial europeu - mas que o tratado deixou de fora, ao não incluir os símbolos associados a uma Constituição, entretanto abandonada.

Está assinado, falta ratificar

Reconhecendo que a assinatura do tratado favorece o caminho para uma Europa "mais democrática, mais forte e mais virada para o futuro", o presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Pöttering, deixou um alerta e um desejo: "É agora necessário o máximo de compromisso político de todas as partes", para que o tratado seja ratificado com brevidade. "Gostávamos que este tratado entrasse em vigor, no mais tardar, a 1 de Janeiro de 2009."

Também o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, apelou aos Estados-membros que "façam prova da mesma determinação [que levou à assinatura do Tratado de Lisboa] durante o período de ratificação".

"É particularmente importante comunicar o valor acrescentado do tratado e o ganho de eficácia que representa para o nosso processo de decisão, o ganho de democracia que representa para as nossas instituições e o potencial de coerência acrescida que representa para a nossa acção externa", disse ainda.

"E chega o momento da assinatura", anunciava a voz off às 12h25 - a mesma voz que tinha antes pedido que não se fumasse para permitir uma cerimónia com ar limpo.
Na mesa estavam os dois "guardiões do tratado", que davam o volumoso texto a assinar aos chefes de Estado ou de Governo e aos ministros dos Negócios Estrangeiros. Com a bandeira do respectivo país em pano de fundo e o claustro iluminado com as suas cores predominantes, os dois representantes (ou três em alguns casos, como a França) apertavam as mãos após a assinatura. Todos excepto o último a ser chamado, o Reino Unido (a chamada é feita por ordem alfabética, em inglês). David Miliband não teve a quem apertar a mão, dada a ausência do primeiro-ministro Gordon Brown. Mas Miliband não perdeu, apesar disso, o seu sorriso trademark.

Portugal era o anfitrião - e, por isso, o único a ter palmas antes e depois da assinatura, por José Sócrates e Luís Amado. Na assistência, muitos telemóveis eram agitados para apanhar um pedaço do momento histórico, o segundo passo europeu associado aos Jerónimos. Às 12h50, a voz off declarava: "Nasceu o novo Tratado de Lisboa. Parabéns, União Europeia."

Angela Merkel foi elogiada por José Sócrates pelo empenho com que se envolveu na concretização do tratado.