18.1.08

Apoios a parentes

Andreia Sanches e Bárbara Simões, in Jornal Público

Avaliação de "personalidade" e "maturidade" de todos os membros dos agregados familiares que se candidatarem passa a ser obrigatória


O diploma que regulamenta as "medidas de protecção em meio natural de vida" foi também ontem publicado. E define os apoios a que os pais e outros familiares (como avós) que acolham crianças podem ter acesso. O apoio económico previsto nestes casos (e também naqueles em que a criança fica com uma pessoa idónea próxima) tem como limite mensal o equivalente ao subsídio de manutenção fixado para as famílias de acolhimento (145,86 euros por criança ou 336,4 no caso de crianças com deficiência). Os parentes não têm, contudo, direito aos 168,20 euros de remuneração mensal que as famílias de acolhimento têm. Admitem-se outros apoios para despesas "relacionadas com a aquisição do equipamento indispensável ao alojamento da criança". Todas as crianças serão acompanhados por um coordenador de caso.

Ter a escolaridade obrigatória, "estabilidade sócio-familiar" e não ser candidato à adopção são algumas das condições que o decreto-lei ontem publicado em Diário da República impõe a quem se candidatar a família de acolhimento de crianças em risco. O agregado familiar será sujeito a uma avaliação de "personalidade, maturidade, capacidade afectiva e equilíbrio emocional". E terá de mostrar disponibilidade para colaborar no processo de "recuperação do papel parental da família natural" das crianças que acolhe.

As famílias de acolhimento têm direito a uma remuneração mensal, subsídio de manutenção e apoios diversos. E terão de assinar um contrato. Mas o diploma admite "situações em que o serviço de acolhimento é prestado gratuitamente".
Há anos que existem famílias de acolhimento em Portugal e desde 1999 que a lei as define como alternativa aos lares. No Reino Unido, por exemplo, 70 por cento das crianças retiradas às famílias estão em famílias de acolhimento. Em Portugal são 22 por cento. O Governo anunciou em Novembro que iria finalmente regulamentar o acolhimento familiar. E profissionalizá-lo.

As regras ontem publicadas estabelecem que podem constituir-se como família de acolhimento pessoas com pelo menos 25 anos e não mais de 65. Se se tratar de um casal ou de parentes que vivam "em economia comum", só um dos candidatos tem de cumprir esse requisito. Uma pessoa isolada pode candidatar-se.

Estas famílias poderão receber, como regra, até duas crianças - "desde que o número total de crianças ou jovens em coabitação simultânea não seja superior a quatro". Se a família não tiver mais crianças a cargo, o número máximo "é, em regra, de três".
As famílias de acolhimento podem "exercer o acolhimento familiar a título de actividade profissional principal ou secundária". E ficam abrangidas "pelo regime de segurança social dos trabalhadores independentes".

A preocupação de "deixar tudo muito bem definido, para não haver dúvidas", percorre o decreto-lei, sublinha a secretária de Estado adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz.

Como princípio geral, acrescenta, está o pressuposto do regresso à família natural, sempre que os direitos e protecção do menor não fiquem em risco. "Quando há condições para que as crianças voltem para a família biológica, devem voltar; quando essas condições não existem, devem ser encontradas outras soluções e cortarem--se definitivamente os laços."

O novo diploma vai ainda obrigar a redefinir a situação de muitas crianças que foram acolhidas por pessoas com as quais têm laços biológicos - e que agora deixam de ser consideradas famílias de acolhimento. "Mantêm a criança (e os apoios), mas ao abrigo de outra medida" e de outra figura legal, diz Idália Moniz. As apreciações serão feitas caso a caso.

Homossexuais ficam de fora na selecção

Idália Moniz diz que "é inequívoco" que a lei não permite aos homossexuais acolher crianças em perigo

a O novo decreto-lei abre a porta aos homossexuais para se candidatarem a família de acolhimento? A secretária de Estado adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz, é taxativa na resposta: "Não. Isso para nós é inequívoco".

A lei (de 1999) prevê que duas pessoas em união de facto há mais de dois anos possam constituir uma família de acolhimento. Ora, dois anos depois foi regulada a situação jurídica de duas pessoas em união de facto, "independentemente do sexo". Por que é que agora, se não forem homem e mulher, não são elegíveis para acolher crianças em perigo?

A justificação oficial, resumida por Idália Moniz, escuda-se no rol de situações que a lei das uniões de facto (de 2001) contempla explicitamente - como a protecção da casa de morada de família ou o regime jurídico de férias, feriados e faltas. "Essa lei tem efeitos muitos específicos. Se o legislador quisesse que tivesse outros benefícios, tê-lo-ia feito", diz. O resto remete para o Código Civil (como acontece com a adopção, circunscrita a pessoas de sexo diferente).

O novo texto legal refere, numa alínea relativa à idade dos candidatos a família de acolhimento, "casais ou parentes que vivam em economia comum".

Para o advogado Francisco Teixeira da Mota, mesmo a introdução, neste contexto, da expressão "casais", é intencional "e visa delimitar o âmbito da família de acolhimento a duas pessoas de sexo diferente".

Paulo Corte Real, dirigente da associação ILGA, diz-se surpreendido: "É gravíssimo. Parecia haver o objectivo de fazer uma legislação não-discriminatória...". Considera "chocante" que a lei seja defendida por uma secretária de Estado que em 2007 "esteve envolvida no Ano Europeu da Igualdade para Todos". B.S.