23.1.08

Presidente prevê dificuldades, ministro fala de optimismo

Sara Dias Oliveira e Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

O Presidente da República afirmou ontem que o país "dificilmente não será atingido por aquilo que se passa a nível internacional". "Já na minha mensagem de Ano Novo tinha chamado a atenção para as dificuldades da economia internacional. Parecia-me inevitável que a crise dos mercados financeiros internacionais tivesse um efeito negativo sobre a economia real", disse Cavaco Silva em Arouca, à margem da segunda jornada do Roteiro para o Património.

Ideia diferente tem Teixeira dos Santos, que afastou ontem o risco de uma redução do crescimento da economia portuguesa em resultado da quebra da actividade nos Estados Unidos, garantindo que a sua convicção "não é um optimismo balofo ou gratuito".
Vendo riscos, Cavaco afirma: "Temos de preparar-nos, ao nível empresarial, em particular, para apostas mais fortes na inovação, na competitividade, na procura de novos mercados", defendeu. O Presidente da República lembrou, por outro lado, que têm sido registados "alguns sinais positivos de reanimação do investimento". "E como tem sido anunciado pelo Governo, há vários projectos que irão arrancar durante este ano", acrescentou.

O chefe de Estado acredita que os portugueses têm capacidade para se adaptar a uma nova realidade de "taxas de juro mais elevadas, crédito mais escasso, clientes de Portugal com economias mais fracas". "Penso que Portugal, com trabalho, confiança, políticas correctas, utilização rigorosa dos recursos escassos, pode ultrapassar essas dificuldades", rematou.

Bruxelas confiante

Em Bruxelas, Teixeira dos Santos juntou-se ao coro dos seus pares da União Europeia (UE) que, no final da sua reunião mensal, afastaram os cenários de propagação à Europa de uma eventual recessão nos Estados Unidos. "A economia americana tem problemas sérios nos seus sectores fundamentais. Nós não", justificou Joaquin Almunia, comissário europeu responsável pela Economia e Finanças. "Estamos bem preparados para enfrentar esta situação, apesar de não podermos ignorar os riscos de o nosso crescimento ser afectado pela turbulência" dos mercados financeiros, acrescentou.

A queda das bolsas, frisaram vários ministros, resulta das incertezas que rodeiam o processo de correcção dos desequilíbrios da economia americana, a braços há anos com défices colossais das contas públicas e externas, a par de uma boa dose de especulação. "Mesmo se os Estados Unidos entrarem em recessão, não é uma tragédia", defendeu a ministra francesa das finanças, Christine Lagarde.

"A economia europeia não tem de passar por um processo de ajustamento como aquele que os Estados Unidos terão de processar", considerou, por seu lado, Teixeira dos Santos, convicto de que a UE "continuará a crescer e a crescer próximo do seu potencial". Do mesmo modo, "a economia portuguesa tem condições (...) para enfrentar com confiança os desenvolvimentos que possam ocorrer ao nível externo", continuou, defendendo: "Temos de ter confiança na nossa capacidade para enfrentar essas incertezas".

Previsões em risco

O Banco de Portugal, por sua vez, pode vir a rever em baixa as previsões de crescimento para a economia portuguesa, caso se confirme uma recessão nos EUA, disse o governador do Banco de Portugal.

"Caso se confirmem as expectativas de uma possível recessão nos EUA, isso terá consequências na Europa, incluindo Portugal, o que poderá conduzir a uma ligeira revisão em baixa das recentes previsões económicas", afirmou Vítor Constâncio em declarações aos jornalistas, citado pela Bloomberg.

P&R: que crise é esta?

Porque é que a economia mundial está a entrar em crise?
Os problemas actuais são o resultado do acumular de excessos durante os últimos anos. No mercado de crédito de alto risco norte-americano (subprime) os níveis de incumprimento dispararam e o sistema financeiro mundial registou perdas-recorde. No mercado imobiliário, a bolha especulativa rebentou, diminuindo a riqueza de todos os que detêm casas. Como resultado, o consumo e o investimento fraquejaram. A queda nas bolsas ainda pode piorar a situação.

A recessão nos EUA é um cenário provável?
Neste momento, a dúvida já não é se os EUA vão entrar em recessão, mas sim quando e com que intensidade. Os vários indicadores já imitam os de anteriores recessões.

O contágio da Europa é inevitável?
Com a ajuda das potências asiáticas, o mundo está agora menos dependente dos EUA, mas não o suficiente para sobreviver sem danos a uma recessão neste país. Na Europa, as exportações devem diminuir, não só porque nos EUA se consome menos, mas também porque o euro continua a apreciar-se. O consumo e o investimento também são afectados porque os bancos estão a apertar no crédito e a confiança está a diminuir.

Portugal pode sair incólume?
Não existe nenhum motivo visível para que Portugal não seja afectado. As exportações são decisivas para a retoma e podem sair prejudicadas se a procura externa diminuir. O elevado endividamento das famílias e empresas torna-as mais vulneráveis ao aperto de crédito que já se está a verificar.

O que é que as autoridades podem fazer?
Aplicar políticas públicas mais expansionistas. Os bancos centrais têm a possibilidade de baixar as taxas de juro. Os Governos podem aumentar a despesa ou baixar os impostos. Nos EUA, as autoridades estão a actuar por estas duas vias. Na Europa, o BCE ainda não fala em baixar taxas, e os Governos estão a medir a sua situação orçamental. Portugal é um dos países com um défice público mais elevado na Zona Euro.

Quais as consequências práticas na vida das pessoas?
Se a conjuntura internacional se deteriorar de forma profunda, os portugueses podem assistir ao regresso em força das dificuldades financeiras nas empresas e nas finanças públicas, o que ameaça os empregos e o poder de compra. As únicas boas notícias podem vir de uma eventual descida de juros por parte do BCE. S.A.