20.1.08

Quadro de excedentários não resolve o problema

Ana Fernandes (PÚBLICO) e Raquel Abecasis (Rádio Renascença,)in Jornal Público

Luís Valadares Tavares diz que o sistema da mobilidade não irá resolver a ineficiência e peso da administração pública

O professor do Técnico que já liderou o Instituto Nacional de Administração (INA) diz que a gestão das pessoas não se faz por tabuada e estabelecer uma meta de redução de 75 mil funcionários demonstra insensibilidade aos problemas da gestão pública.

A mobilidade é a melhor forma de atacar o problema da administração pública?

O país, se quiser ter melhor qualidade de vida, maior coesão e mais desenvolvimento, tem de ter um Estado muito eficiente, eficaz e modernizado. Esse desafio não se esgota com o programa da mobilidade. As soluções de reestruturação dos recursos humanos, que visam ter uma administração pública com mais competências, com pessoas mais motivadas, é o grande desafio. E aí é muito importante a mobilidade propriamente dita, quer dizer, as pessoas que estão num determinado sector serem requalificadas para irem para outros sectores. E são muito importantes os incentivos, os sistemas de avaliação e um outro clima de gestão de pessoas.

Que não é o actual?

Não.
Considera que este modelo não funciona?

O modelo actual de gestão das pessoas tem-se baseado num tipo de administração muito burocrática, ainda muito baseada na reforma de 1935 de Oliveira Salazar e que está muito longe de seguir os paradigmas da gestão pública moderna. Um exemplo: a gestão por objectivos foi introduzida na generalidade das administrações públicas nos anos 80. A primeira vez que é referida nos diplomas nacionais é em 2003-2004. Temos 25 anos de atraso. Esta cultura de gestão por objectivos, de avaliação do desempenho, de incentivos é uma cultura nova que não é tradição da nossa administração.
Por isso, há resistências.

Claro. Em 2004, quando foram aprovadas algumas dessas leis, houve muitas dúvidas de que uma cultura por objectivos estaria adaptada à gestão pública. Portanto, temos muito atraso e isso também acontece na formação. Os primeiros cursos para dirigentes públicos que fizemos foi no INA em 2004, enquanto nas nossas empresas, a formação dos executivos começou nos anos 80 com os primeiros MBA. É evidente que esta viagem que está agora a ser feita tem de ser continuada e acelerada, mas leva o seu tempo e actualmente o clima de gestão de pessoas na nossa administração não é o desejável. Por um lado, por esta questão cultural e, por outra lado, por um défice dos instrumentos de gestão.

Quais?

A reforma da gestão orçamental ainda não foi feita e os mecanismos de formação e avaliação ainda estão numa fase de implementação.

O que é que se pode fazer no curto prazo, uma vez que não se pode esperar que essa cultura esteja enraizada?

A gestão da mudança. Sentimos que temos um sistema do passado e sabemos para onde queremos ir. Como se faz esta gestão da mudança? Com o quadro de excedentários? Não.

Porque esse tipo de instrumento cria muita ansiedade e tensões e acaba por ter expressões numéricas muito reduzidas. Temos outros instrumentos como o da formação associada à mobilidade. Por exemplo: o Ministério da Agricultura tem gente a mais, mas o do Ambiente tem a menos. Não será possível criar mecanismos de reciclagem?

Mas há ou não pessoas a mais na administração pública?

Temos a mais e a menos. Se conseguirmos ter níveis de motivação, de competência com um sistema de incentivos adequados, conseguimos ter ganhos de qualidade e eficiência com menos pessoas. Mas tenho que adequar a essa nova cultura os instrumentos fundamentais de gestão. Desde a gestão das pessoas à gestão orçamental. Há aqui um paradoxo de estarmos a querer montar uma administração moderna e termos uma gestão orçamental segundo a reforma de 1935.

O que é que falhou nestes anos em que se tentou reformar a administração?

Há um peso muito elevado em relação às exigências procedimentais e portanto tradicionalmente havia pouco espaço à iniciativa, à inovação, à promoção por mérito. É uma máquina muito rígida.

Houve falta de coragem?

Tem havido coragem política em determinadas linhas, como a melhoria da relação com os cidadãos desde o início dos anos 90, a modernização administrativa. Há experiências de sucesso. Mas, no que respeita à organização interna, aos processos de gestão, a afectação de pessoas, manteve-se muito a cultura do passado. Temos de ser pragmáticos. Interessa identificar os problemas mais graves, onde os cidadãos e as empresas se sentem mais sacrificados, e depois canalizar esses novos modelos de gestão para resolver esses problemas.

Não concorda, por isso, com o número do Governo que aponta para a necessidade de pôr na mobilidade 75 mil funcionários?

Não. Imagine-se que reduzíamos entre os mais competentes.

E isso está a acontecer?

É um risco. Estabelecer como grande meta política reduzir 75 mil funcionários revela desconhecimento dos problemas da administração pública e muita insensibilidade aos problemas da gestão pública. O que interessa é que aquelas pessoas que não queiram ser requalificados, com níveis de formação inadequados e cujos perfis não estejam adaptados à administração pública saiam.

Como é que isso faz?

Os países que tiveram mais sucesso adoptaram saídas por mútuo acordo.
Em termos financeiros, o Estado tem margem para isso?

No caso em que se verifica em que essas pessoas têm um peso inútil, com todos os encargos que são gerados pela existência de mais um funcionário, pode ser uma solução interessante. Readaptar a administração às nossas necessidades não pode ser feito por tabuada. Tem de se fazer com diagnósticos de competências e necessidades.
Esses estudos já foram feitos. O Governo não os atende?

De 2001 a 2007, a preocupação foi reequilibrar as contas públicas. Isso não facilitou dar toda a atenção que era devida a uma aposta nas pessoas. Não é possível ter uma administração com gente desmotivada.

A mobilidade também não é solução para o défice?

Acho que agora já é evidente que não é pela mobilidade que o problema se vai resolver. Há quatro estratégias para resolver o défice. Uma são as receitas. Uma segunda é reduzir os subsídios e benefícios aos cidadãos. A terceira é o investimento público. E temos a quarta que é a do aumento da eficiência e da qualidade. A última ainda foi pouco prosseguida. Todos desejamos que na segunda parte da legislatura haja mais eficiência e mais qualidade na máquina da administração pública para reduzir despesa sem reduzir os benefícios aos cidadãos.

"A escola deve ser acolhedora, mas muito exigente, difícil"

O programa Novas Oportunidades está a ter uma grande adesão. Não haverá um risco de massificação dos diplomas?

A ideia de aproximar a formação profissional da formação escolar e de dar novas oportunidades às pessoas é bondosa. Mas temos de ter muito cuidado em relação aos níveis de exigência e de qualidade. E os estudos internacionais continuam a demonstrar que os nossos alunos continuam no fundo da classificação.
Matemática é um caso paradigmático.

Pois é. O que eu acho preocupante é o país considerar isso normal.

Como é que se dá a volta à situação?

Os problemas resolvem-se, se eu assumir que há um problema. Iniciativas como as Novas Oportunidades são boas, se houver um clima de exigência maior. Costumo dizer aos meus alunos: escola fácil igual a vida difícil, escola difícil igual a vida fácil. A escola não deve ser fácil. A escola deve ser acolhedora, mas muito exigente, difícil. A escola tem de preparar as pessoas para a sociedade moderna. Mas no nosso país tem havido ideias muito erradas em relação a isto. Ainda há pouco tempo havia quem defendesse que os níveis de exigência deveriam ser definidos na escola, resultantes da interacção entre professores e alunos. Isto é uma patetice. Os níveis de exigência são os necessários para eles se prepararem para a competição global em que vão viver.

Como vê este novo modelo de gestão das escolas?

Esse modelo é muito parecido com um de 1991. Corresponde a ideias necessárias e desejáveis, desde que estejam adaptadas à realidade e aplicadas correctamente. Mas as nossas escolas devem ter mais autonomia, não faz sentido nenhum continuarmos com escolas com níveis de autonomia, responsabilização e iniciativa tão pequenos. Apesar de os governantes defenderem isso, continuamos a ver as escolas ainda sob muita influência das circulares que chegam das autoridades.

Isso também é uma forma de desresponsabilização das próprias escolas.

Claro. As nossas escolas, em muitos casos, têm níveis de funcionamento óptimos, mas a questão é quando surge um problema que depois não sabe resolver. A escola não pode viver num regime de piloto automático, como ainda hoje vive.

Os passos que têm sido dados por este Governo são significativos para essa mudança?

Não. Continuamos com um sistema educativo com muito pouca vida própria em cada escola, com modelos de gestão muito anquilosados, e com resultados muito deficientes.
A competição entre escolas é uma solução?

Sim. Acho péssimo que seja o Ministério da Educação a impor um método educativo às escolas. Estudámos escolas que tinham melhorado muito os seus resultados do 12º ano, que felizmente passaram a ser conhecidos. O que verificámos é que em todas tinha havido um acreditar que era possível fazer melhor. Consideraram que não era normal ter maus resultados e deram um murro na mesa. O espírito de competição é muito importante por isto. E os resultados melhoraram imenso. Isto é possível fazer com directivas do Ministério da Educação? Às vezes não sei se entidades como o Ministério da Educação não são mais parte do problema do que da solução.

Num país que não tem qualificações, como é que o desemprego entre os licenciados tem vindo sempre a aumentar?

Os investimentos que têm sido feitos em Portugal têm gerado pouco emprego qualificado. E às vezes os nossos licenciados não têm a formação adaptada às necessidades das empresas.

Costumo dizer aos meus alunos: escola fácil igual a vida difícil, escola difícil igual a vida fácil. A escola não deve ser fácil.