24.2.08

Pais e associação temem que escolas regulares não consigam integrar todos

Isabel Leiria, in Jornal Público

A grande maioria das crianças com deficiências e outras incapacidades já estão no ensino regular. O Governo quer cada vez menos alunos em ambientes segregados


"Queremos cada vez menos crianças em ambientes segregados. Esta é uma meta civilizacional", diz Valter Lemos.

Não será no próximo ano lectivo nem nos seguintes. Mas a ideia é que todos os alunos com deficiências e outras incapacidades sejam integrados no ensino regular, concretizando o que se chama a "escola inclusiva". A lei que reforma o ensino especial foi publicada em Janeiro, mas desde então tem gerado controvérsia.

Poucos criticam o espírito do diploma, que prevê a criação de estabelecimentos de ensino públicos de referência, em todo o país, e direccionados para um conjunto de deficiências bem definidas: alunos surdos, cegos e com baixa visão, com perturbações do espectro do autismo e com multideficiência e surdocegueira congénita. Mas há quem defenda que o encerramento definitivo das escolas especiais, onde só se encontram alunos com determinados problemas e que se deverá concretizar até 2013, é um erro.
"Não há ninguém mais preocupado com a inclusão destas crianças do que nós", lembra Fernando Magalhães, da Plataforma de Pais pelo Ensino Especial. "É indiscutível que há casos de uma notável integração [nas escolas regulares]. Mas também sabemos que há outros em que não dá. Uma criança que se veja permanentemente fracassada por não progredir, num ambiente hostil, não se vai enquadrar", defende este pai de uma jovem que, não tendo uma deficiência típica, apresenta um défice cognitivo muito acentuado.

Ana está "felicíssima"

Tal como muitas outras crianças com este tipo de problemas e que têm grandes dificuldades de adaptação, Ana saiu da escola regular aos 8, 9 anos para passar a frequentar uma do ensino especial. "Os professores eram fenomenais mas sentiam-se incapacitados para dar uma resposta, ficavam baralhados perante os episódios de agressividade. As duas ou três horas de apoio que tinha não eram suficientes. Agora está no ensino especial felicíssima, a fazer as suas aprendizagens." Com 15 anos e a frequentar o 4.º ano de escolaridade, Fernando Magalhães pergunta como seria se Ana chumbasse e fosse posta numa escola do 1.º ciclo ao lado de meninos de 9. "Isto não é inclusão. Devia manter-se a hipótese do ensino especial para os que precisam de apoio e não estão abrangidos pela lei mas também para os que não se enquadram no ensino regular", reforça.

Ana, tal como todos os alunos que frequentam os colégios privados de ensino especial e as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) que dão apoio nesta área, não terá de abandonar o estabelecimento onde está inscrita. Isso mesmo ficou garantido num despacho entretanto assinado pelo secretário de Estado da Educação, Valter Lemos.

O problema coloca-se para os alunos que chegam ao sistema de ensino e que, por regra, já não poderão ser encaminhados para o ensino especial, tal como aconteceu até aqui. Com uma ressalva: se ainda não houver uma resposta adequada e geograficamente próxima nas escolas regulares, então a criança será mesmo reencaminhada. E é este regime excepcional que terá de ser regulamentado legalmente.
"O que queremos é que haja cada vez menos crianças em ambientes segregados e mais em ambiente inclusivos. Esta é uma meta civilizacional. Quem é a favor da escola inclusiva tem de explicar como é que não quer que se fixem metas para acabar com as escolas segregadas. Uma criança numa instituição especial pode estar protegida, mas não está integrada", argumenta Valter Lemos, afirmando que o prazo, até 2013, é suficientemente longo para que o processo se faça de forma prudente e sem rupturas.
A ideia é também aproveitar todos os recursos dos colégios privados e das IPSS, que já são financiadas com dinheiros estatais, para dar diversos tipos de apoio ao ensino regular. O ministério lançou o repto a ambos de se adaptarem a este modelo, transformando-se em centros de recursos ou redireccionando a sua oferta.

Sim, mas...

Para a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular Cooperativo (AEEP) a preocupação imediata é garantir que os colégios, não podendo receber muitos mais alunos, mantenham a viabilidade para assegurar a conclusão do percurso de quem os frequenta. "Isso já nos foi assegurado", diz Rodrigo Queiroz e Melo.

Mas a dúvida persiste. "Não acredito que seja possível integrar 100 por cento dos meninos no ensino regular. Há sempre meninos para quem o ensino especial é que os safa, que precisam de um ambiente todo pensado para eles e para quem é mais importante ganhar autonomia, não ser enganado num troco... Isto não se aprende numa escola que é instrucional."

"Eu gosto da lei, mas não sejamos optimistas demais. Há casos muito graves de doenças que aparecem, por exemplo, associadas ao autismo, como crises de epilepsia grave, que precisam do acompanhamento de uma pessoa o dia todo", diz Isabel Telmo, da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo.

E é uma eventual falta de meios no ensino regular que também preocupa Carmen Duarte, membro da Fenacerci. Diz que a lei que reforma os apoios a dar aos alunos com necessidades educativas especiais só "peca por tardia" - "pela primeira vez o ME assume a sua responsabilidade pelo cumprimento do direito de todas as crianças à educação" - mas na hora de operacionalizar o diploma teme que faltem condições, como equipas multidisciplinares que, nas instituições, acompanham as crianças.

"A integração não se faz apenas colocando as crianças no ensino regular", avisa. "Há uma enorme insegurança porque a lei saiu e não há informação sobre os meios", conclui.

Números

49 mil
alunos com necessidades educativas especiais estão no sistema de ensino regular

3900
alunos encaminhados para o ensino especial (1400 em colégios privados e 2500 em IPSS)

4959
professores dos quadros do ensino especial estão colocados nas escolas públicas regulares

269
técnicos especializados (desde terapeutas a intérpretes de Língua Gestual Portuguesa) dão apoio no ensino regular

68
agrupamentos e escolas secundárias foram definidas este ano como instituições de referência para alunos surdos e alunos cegos e com baixa visão

262
unidades de ensino para alunos com perturbações do espectro do autismo e apoio especializado para multideficiência e surdocegueira congénita