17.2.08

União Europeia procura manter coesão de fachada para evitar erros que nos anos 90 conduziram à violência étnica

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Diplomatas de vários países garantem que a expectativa é que todos os membros da UE se pronunciem só amanhã. Mas alguns países poderão querer adiantar-se


Apesar de estar em preparação há meses, a declaração unilateral de independência do Kosovo constitui um momento temido pela União Europeia (UE) e que vai colocar duramente à prova a sua coesão interna. Desta vez, no entanto, os Estados-membros estão decididos a evitar repetir os erros do início dos anos 90, em que as suas divisões internas sobre a independência das repúblicas da ex-Jugoslávia alimentaram sucessivas vagas de violência étnica tidas como inimagináveis nesse fim do século XX.

Não é segredo para ninguém que a maioria dos Vinte e Sete encara com um profundo desconforto a ideia de uma declaração unilateral de independência da província sérvia de maioria albanesa. O risco, temem, é abrir um precedente para a secessão de outras zonas do Mundo, como a Abkhazia e a Ossétia do Sul, na Geórgia, ou a Transdniestria, na Moldávia, para os quais a UE não tem resposta. Isto para já não referir os casos potenciais de separatismo na própria UE, como a Catalunha, o País Basco ou a república turca do Norte do Chipre.

A abertura de uma excepção para o Kosovo tornou-se, no entanto, incontornável em resultado da forte pressão exercida pelos Estados Unidos e pelos quatro maiores países da UE - França, Alemanha, Itália e Reino Unido. Membros do chamado "grupo de contacto", estes países patrocinaram o plano de uma "independência vigiada" do Kosovo concebido pelo enviado especial da ONU, Martti Ahtisaari. O veto da Rússia, aliada da Sérvia, à definição de uma solução para o Kosovo no quadro das Nações Unidas, conjugado com a pressão destes países, não deixou, todavia, grandes possibilidades de evitar uma declaração unilateral de independência de Pristina.

Statu quo insustentável

Apesar das dúvidas expressas abertamente por seis países da UE, precisamente os que se debatem com movimentos separatistas internos - Espanha, Chipre, Grécia, Eslováquia, Bulgária e Roménia -, a UE tem conseguido manter uma posição unida sobre alguns princípios de base. O primeiro é que o statu quo da província, administrada pela missão da ONU (UNMIK) e defendida por 16 mil soldados da NATO (KFOR) desde 1999, não é sustentável. O segundo é que a transição para a independência terá de ser "acompanhada" por uma missão civil europeia, constituída por 2000 a 3000 polícias e juristas, para ajudar os responsáveis do novo Estado a assumir os princípios de um Kosovo democrático, multi-étnico e respeitador das minorias. Nesse contexto, os Vinte e Sete deram ontem luz verde ao arranque desta missão, EULEX, a mais importante alguma vez lançada no quadro da sua Política Externa, de Segurança e Defesa comum (PESD).

O terceiro elemento de consenso diz respeito à disponibilidade da UE para apoiar o desenvolvimento económico do novo Estado, o que obrigará a um importante esforço financeiro ao longo de vários anos.

Divisões e separatismo

A unidade europeia sobre estes três aspectos não deixa de ser assinalável quando se sabe que os Vinte e Sete estão divididos sobre o reconhecimento da independência do Kosovo. Este é um acto relativamente ao qual a UE não tem competência, cabendo a cada um dos seus Estados-membros a responsabilidade de o fazer ou não.
Os seis países com maiores problemas a esse respeito já disseram claramente que não reconhecerão o novo Estado. "Não somos partidários de uma declaração unilateral de independência", repetiu ontem a vice-presidente do Governo espanhol, Maria Teresa Fernandez de la Vega.

Chipre, que teme dar à metade norte do seu território, ocupada desde 1974 pela Turquia, pretexto para cortar amarras, garante que nunca reconhecerá o Kosovo enquanto não tiver resolvido a sua divisão interna.

A posição destes países está em riscos de provocar um imbróglio jurídico relativamente ao qual ninguém tem por agora resposta: poderá a UE decidir ajudar financeiramente ou concluir qualquer tipo de acordo de cooperação com um Estado que não é reconhecido pela totalidade dos seus membros? "Atravessaremos essa ponte quando a tivermos pela frente", limitam-se a afirmar, filosóficos, vários diplomatas europeus.

Ao invés, pelo menos os quatro maiores estados deverão reconhecer rapidamente Pristina. A grande interrogação é saber se estes governos felicitarão já hoje, a título individual, o novo Estado, ou se aceitarão esperar pela reunião prevista para amanhã, em Bruxelas, dos ministros dos negócios estrangeiros dos Vinte e Sete, para a tomada de uma posição política concertada entre todos.

Diplomatas de vários países, grandes como pequenos, garantem que a expectativa é que todos os membros da UE só se pronunciarão amanhã.

Não será certamente o facto de alguns governos se adiantarem que colocará em risco a coesão interna dos Vinte e Sete, até porque o reconhecimento da independência constitui porventura o passo mais fácil no longo caminho que se anuncia para a reconstrução do Kosovo. Mas também é certo que uma eventual precipitação dos grandes estados não ajudará a manter, no plano simbólico, a ideia de que a UE conseguirá, finalmente, falar a uma só voz.

6 países da UE temem que os separatismos se reavivem: Chipre, Espanha, Grécia, Bulgária, Roménia e Eslováquia