23.4.08

Contribuições mais baixas para apoiar contratos sem prazo

João Manuel Rocha e João Ramos de Almeida, in Jornal Público

Empresas pagarão mais por contratados a prazo e passam a suportar descontos também sobre os recibos verdes


O Governo quer reduzir, a partir de Janeiro de 2009, os encargos sociais das empresas com os trabalhadores contratados sem prazo e agravar os encargos com os contratados a prazo. As medidas foram ontem anunciadas, no âmbito da revisão do Código do Trabalho, e prevêem também a criação, pela primeira vez, de uma contribuição por parte das empresas que optem pela contratação de prestadores de serviços, os recibos verdes.

De acordo com a proposta do Governo, as empresas que empreguem trabalhadores sem contrato a termo passarão a pagar a taxa social única de 22,75 por cento contra a actual 23,75 por cento. Para as que contratem trabalhadores a termo, a contribuição para a segurança social passará de 23,75 para 26,75. Os empregadores que optem por recorrer a trabalhadores a recibos verdes terão de pagar uma parcela de cinco pontos percentuais da taxa contributiva sobre as suas remunerações, atenuando os encargos sociais que incidiam na totalidade sobre os trabalhadores.

Os documentos oficiais distribuídos referem que esse agravamento será acompanhado por uma redução semelhante nas contribuições dos trabalhadores contratados. Mas apenas tornam explícita que essa redução se aplique a quem desconta a taxa máxima de 32,4 por cento (cobrindo a eventualidade de saúde), mas não para quem paga a taxa obrigatória de 25 por cento (sem a cobertura de saúde). Dado o objectivo de uniformizar os dois regimes, a proposta parece apontar para que a descida da taxa de quem desconte para o regime alargado (com saúde) será de maneira a ficar em 24,6 por cento.

"Adaptabilidade"

"Estas são medidas fortes, concretas e poderosas para combater a precariedade", disse o primeiro-ministro, José Sócrates, depois de ter apresentado aos parceiros sociais as medidas constantes da proposta de revisão do Código do Trabalho. De acordo com o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, o Governo pretende introduzir uma "metodologia intensiva de debate" por forma a aprovar um "documento de orientação", que torne possível a entrada em vigor das alterações no início de 2009, após a aprovação pelo Parlamento.

O objectivo da proposta é "promover a adaptabilidade das empresas", "valorizar a contratação colectiva" e combater as formas "atípicas de trabalho", disse o ministro.
Uma das áreas em que o Governo aposta para aumentar a "adaptabilidade" das empresas - e que será certamente das mais discutidas com os parceiros sociais - é a da organização do tempo de trabalho. O executivo segue as recomendações da comissão que elaborou o Livro Branco das Relações Laborais, que prevê um limite anual de horas de trabalho, ainda que limitado por períodos diários e semanais. Está prevista a possibilidade de os horários diários poderem aumentar duas horas, desde que a duração máxima semanal não ultrapasse as 50 horas, e de nas semanas em que os períodos de trabalho sejam inferiores a 40 horas, a redução diária não poder ser, tal como agora, superior a duas horas.

Os limites poderão ser acordados em equipas ou secções de empresas se pelo menos um terço dos trabalhadores estiver de acordo e serão aplicados a todos se três quartos concordarem com as alterações.

Despedimentos, férias

O Governo não tenciona alterar as condições para o despedimento por justa causa, mas prevê a revisão das normas relativas ao despedimento por "inadaptação". Vieira da Silva não se quis alongar, mas adiantou que a inadaptação ao posto de trabalho deixa de estar necessariamente associada a modificações tecnológicas ou dos equipamentos e poderá decorrer de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho".

A proposta segue, no essencial, as recomendações da CLBRL, divulgadas em Dezembro de 2007, que preconizam uma simplificação dos "modelos processuais" do despedimento individual para evitar o arrastamento dos processos, mas defendem que "ninguém pode ser despedido sem se defender do que o acusam".

Um dos assuntos mais polémicos na anterior revisão do Código Laboral, em 2003, vai estar novamente em discussão. Trata-se de saber se patrões e trabalhadores podem acordar normas menos favoráveis do que as previstas na lei. Tal possibilidade, a que o PS se opôs há cinco anos, permanece, mas o Governo propõe que em 14 áreas concretas, como o trabalho de menores ou a duração mínima de repouso, isso não possa acontecer.

No número de dias de férias acaba por não haver alterações, mantendo-se os actuais 22 dias úteis, que podem chegar aos 25 para os trabalhadores menos absentistas.
Uma das novidades das propostas do Governo surgiu pelo lado social: são aumentados os tempos de licença de parentalidade, que pode, nalguns casos, prolongar-se ao longo do primeiro ano de vida da criança. Como se esperava, os contratos a prazo passam a não poder ultrapassar os três anos, contra os seis actuais.

Os grandes números

22,75%
Taxa social única que as empresas deverão passar a pagar por cada contratado sem termo, menos um ponto percentual do que actualmente

26,75%
Taxa social única que as empresas pagarão sobre as remunerações dos contratados a prazo, mais três pontos percentuais do que hoje

Os pontos mais importantes

Contribuições e medidas sociais ajudam Código

- Baixam as contribuições das empresas com os contratados sem prazo, sobem com os contratados a prazo e passa a existir contribuição das empresas relativa aos recibos verdes

- O despedimento por inadaptação deixa de estar associado apenas a modificações tecnológicas ou dos equipamentos e passa a poder ser determinado por "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho"

- Contratos a prazo passam a ter um limite máximo de três anos, contra os seis anos actuais

- É alargado o tempo das licenças de parentalidade, que podem abranger o primeiro ano de vida da criança

- Mantém-se o actual número de 22 dias úteis de férias, que podem chegar a 25 em função da assiduidade

- Os acordos entre empregadores e trabalhadores podem alterar as normas do Código do Trabalho, mas não se as alterações forem desfavoráveis para o trabalhador em diversas matérias


Perguntas & Respostas

O essencial das alterações propostas



Os despedimentos vão ser mais fáceis?

O Governo segue a recomendação da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais de simplificar os "modelos processuais" do despedimento individual para evitar o prolongamento dos processos, mas não altera os motivos para o despedimento com justa causa, que a empresa continua a ter que provar em tribunal.
Quando é que há despedimento por inadaptação?

Admite-se que a inadaptação não esteja necessariamente associada a modificações tecnológicas ou dos equipamentos e possa decorrer de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho". O ministro explicou que o empregador terá que provar que há quebras de produtividade, deverá oferecer alternativas de formação e de ocupação.

O que acontece com a demora dos tribunais?

Quando a acção judicial por despedimento se prolongar por mais de um ano prevê-se que, como em Espanha, os custos salariais sejam suportados pelo Estado.

Se houver acordo, patrões e empregados podem ignorar a lei laboral?

Nalguns aspectos sim, noutros não. Este é um dos aspectos centrais da discussão que agora se inicia e esteve já no centro da polémica na revisão do Código de 2003. Actualmente, admite-se que as regras do Código do Trabalho possam ser alteradas por negociação colectiva entre as partes, o que continuará a acontecer. Mas o Governo identifica 14 áreas em que as mudanças não podem ser para pior: as normas sobre trabalho de menores, protecção da maternidade e paternidade, trabalhadores estudantes, acidentes de trabalho e doenças profissionais, duração máxima do trabalho nocturno, duração mínima do tempo de repouso incluindo férias, limite da duração normal de trabalho, higiene e segurança no trabalho, entre outras.

A duração dos contratos a prazo mantém-se?

Não. O contrato de trabalho a termo certo, que actualmente pode ser de três anos, renovável até um máximo de seis, passará, se for para a frente a proposta do Governo, a prolongar-se por um máximo de três anos.

Há mudanças nas férias?

Fica tudo na mesma: 22 dias úteis que podem chegar a 25 em função da assiduidade do trabalhador.

O que é que muda nas licenças de maternidade?

Aumentam os tempos de licença e os incentivos aos pais de modo a que o acompanhamento dos filhos possa, nalguns casos, prolongar-se por um ano. Mantêm-se quatro meses de remuneração a cem por cento ou cinco meses a 80 por cento quando a utilização da licença não for partilhada, mas cria-se a possibilidade de licença com cinco meses remunerados a cem por cento ou seis meses a 83 por cento. Por outro lado, os pais podem pedir uma licença de parentalidade alargada que permita a cada cônjuge ter três meses adicionais de licença, que neste período é apoiada pela segurança social com 25 por cento da remuneração. Os cinco dias a que o pai tem direito por altura do nascimento de um filho passam para dez dias úteis e estão previstos outros dez dias úteis opcionais remunerados a cem por cento.

Há mexidas nas contribuições sociais das empresas?

Sim. O Governo pretende estimular a contratação sem prazo, reduzindo a taxa social única da parte patronal que incide sobre as remunerações dos assalariados em um ponto percentual (de 23,75 para 22,75 por cento). Para desincentivar a contratação a prazo, a taxa contributiva da entidade patronal seria agravada em três pontos (de 23,75 para 26,75 por cento).

E nos "recibos verdes"?

Também haverá alterações. Actualmente, os trabalhadores independentes, que abrangem os "falsos recibos verdes", são penalizados pelo facto de terem a protecção social completamente a seu cargo. A entidade patronal não faz quaisquer descontos sociais. O Governo prevê que as entidades patronais passem a pagar uma taxa social de cinco pontos percentuais sobre os rendimentos presumidos recebidos pelos trabalhadores. Essa taxa social a pagar pelas entidades patronais será igual à redução da contribuição paga pelos contratados.

Vai haver alterações ao regime dos "independentes?

Sim. A contribuição deixará de ser feita com base na facturação ou, no caso dos "falsos recibos verdes", no total das remunerações. Passará a ser feita sobre o rendimento presumido, estimado de acordo com as regras fiscais do regime simplificado do IRS. Ou seja, presume-se que 30 por cento das remunerações irão para custos da actividade e que o rendimento será de 70 por cento e de 20 por cento para os comerciantes e produtores.

Que alterações haverá nos horários de trabalho?

Bastantes. É admitido que os horários diários possam aumentar em duas horas até uma duração máxima semanal de 50 horas. Nas semanas com menos de 40 horas, a redução diária não pode ser superior a duas horas. Estes limites podem ser acordados em equipas ou secções de empresa. Mas será aplicado a todos se houver três quartos deles que estejam de acordo com essa alteração. Está pressuposto na proposta um maior recurso à compensação em tempo de repouso. J.R.A./J.M.R