15.4.08

Economia de inclusão

Sérgio Leal Nunes, in Diário Económico

Cria-se emprego, alarga-se a economia formal, pagam-se impostos e vive-se de cabeça erguida com o fruto do trabalho.


O mercado é como o algodão, não engana. Já eram conhecidas as suas limitações enquanto instrumento de inclusão daqueles que vivem à “margem” da economia formal. As recentes consequências da crise financeira vieram colocar, desta vez, a discussão sobre a questão das virtualidades do mercado enquanto mecanismo de excelência como orientador das poupanças da sociedade para utilizações alternativas de investimentos.

Verificando-se alguns pressupostos, o mercado parece ser um mecanismo eficaz de criação de riqueza, de oportunidades e de inovação. Contudo, é também um instrumento de elite da exclusão económica e social e da criação de barreiras económicas à inclusão daqueles que a ele querem aceder. Admitindo que se pretende o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, solidária e abrangente, como é possível incluir na economia formal de mercado seres humanos com competências e capacidades que se encontram no exterior dessa formalidade? Uma das respostas está no micro-crédito e no trabalho que a Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC) tem vindo a realizar em Portugal ao longo da última década.

A face mais visível do micro-crédito chega até nós pelo, agora Prémio Nobel da Paz, o economista Muhamad Yunus, fundador do Grameen Bank no Bangladesh. A ideia de fundo é a de que com pequenas quantias é possível retirar da pobreza, da exclusão e da subsídio-dependência uma fatia considerável da população do planeta. As quantias emprestadas são pequenas mas a crença nas pessoas e na vontade de honrarem os seus compromissos e de se auto-determinarem perante as agruras dos seus contextos é ilimitada. A atribuição do Nobel da Paz é o reconhecimento deste binómio para a tese que defende a relação entre a economia, a liberdade e a paz.

Em Portugal, a ANDC é a instituição de referência neste âmbito e completa este ano uma década de vida. Foi fundada em 1998 e tem desde então corporizado, activamente, esta economia de inclusão. A ANDC é uma Pessoa Colectiva de Utilidade Pública e serve de intermediário entre quem tem o desejo de transformar uma ideia de negócio numa realidade económica e o sistema financeiro tradicional, os bancos comerciais. A ANDC existe porque quem tem o desejo e a ambição não tem oportunidade (por falta de garantias reais, de “crédito” perante o sistema e de informação) de chegar aos financiadores do projecto. Por outro lado, os montantes do crédito são reduzidos e, deste modo, o sistema financeiro não encontra vantagens, por si só, de afectar recursos humanos e organizacionais à prospecção e avaliação destes projectos.

O trabalho da ANDC passa pela identificação destes potenciais micro-empresários em situação de exclusão, pela ajuda na construção (e acompanhamento) de um plano de negócios e pela incorporação de grande parte do risco que o sistema financeiro procura evitar. Sem demasiados riscos, os bancos recebem o seu capital e a devida remuneração. Cria-se emprego, alarga-se a economia formal, pagam-se impostos e vive-se de cabeça erguida com o fruto do trabalho. A ANDC não cobra um cêntimo por este serviço. Financia a sua actividade corrente com a quotização dos associados, donativos e um financiamento atribuído pelo IEFP.

Nesta sua primeira década de existência a ANDC contribuiu para a criação de 908 projectos (e consequentes micro-empresários), com um montante de crédito concedido de cerca de 3.800.000 euros (este valor, que é próximo do financiamento de uma única PME, permitiu criar negócios sustentáveis com valores médios de 4500 euros por empréstimo). Criaram-se cerca de 1100 postos de trabalho directos. Destes projectos, 53% foram concedidos a mulheres e 47% a homens e 77% dos novos micro-empresários têm entre 25 e 49 anos. No que diz respeito às actividades, 63% dos projectos desenvolvem-se no Comércio, Indústria Transformadora e Restauração. Em termos geográficos, todos os distritos estão representados, embora 60% estejam concentrados em Lisboa, Porto e Leiria. 86% dos micro-empresários têm o ensino secundário ou menos e 11% têm ensino superior. Finalmente, a taxa de sucesso cifra-se nos 86% e a taxa de insolvência do capital emprestado é da ordem dos 7,6%, muito abaixo da taxa de referência nacional. Números que dão que pensar, e muito!