23.5.08

Escolas não se dirigem às crianças pobres

António Marujo, in Jornal Público

O coordenador do estudo Um Olhar sobre a Pobreza não tem dúvidas: os baixos salários são um problema grave, que contribui para a pobreza em Portugal. É preciso aumentar os ordenados e democratizar as empresas.


PÚBLICO - É mesmo verdade que metade da população é vulnerável à pobreza?

ALFREDO BRUTO DA COSTA - É mesmo assim. Este é um aspecto da pobreza que, em Portugal, é analisado pela primeira vez: quantas pessoas, ao longo de seis anos, passaram pela pobreza e foram apanhadas como pobres em pelo menos um dos anos.
E a opinião pública pergunta: onde estão os pobres?

Esse é o problema da definição de pobreza. Quando se pensa em pobreza, pensa-se em miséria ou sem-abrigo. O pobre, na definição adoptada no estudo, é alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa. Miséria é uma parte disso.

Apesar de tudo, mais vale ser pobre em Portugal do que em alguns países de África?


Sim, em termos absolutos. Em termos relativos, não necessariamente. Porque a pobreza é um fenómeno social, não apenas individual: é não ter recursos para participar nos hábitos e costumes da sociedade. Se uma criança pobre não pode vestir-se como os seus colegas, para não ser ridicularizada, mesmo que tenha mais que uma criança em África, sofre de exclusão.

Porque se fala da persistência da pobreza em Portugal?

Com a entrada de Portugal na CEE, Portugal passou a ter programas de luta contra a pobreza. Poderíamos esperar que a pobreza tivesse uma redução apreciável.

E não teve?

Não teve. Em 2004, terá sido de 19 por cento, em 2005 terá sido 18 por cento. É uma tendência? Falta ver os anos seguintes. O que sabemos é que, durante esse período de 20 anos, andámos à volta dos 20 por cento. A pobreza em Portugal ou se manteve estável ou teve uma redução sem proporção com o esforço feito desde que o país entrou na UE.

Qual é razão principal?

São várias. Mas há uma chave: é tempo de a sociedade se interrogar sobre o porquê desta resistência da pobreza perante tanto esforço e recursos nos últimos 20 anos. Neste estudo, não entrámos no porquê. Estamos muito virados para a ideia de que a luta contra a pobreza é igual a políticas sociais. Quando há uma percentagem tão elevada de famílias pobres entre pessoas empregadas, vê-se claramente que a política social é um instrumento útil, mas não resolve tudo. Os pobres que estão empregados, por conta própria ou por conta de outrem - [é um problema que] não se resolve com política social, é um problema económico.

É um problema de salário?

É fundamentalmente um problema de salário.

O texto diz que os salários são uma questão complexa e o que há a fazer está sobejamente identificado. É subir os salários?

Sim. Mas pode-se subir os salários sem aumentar a produtividade? Todos dizem que a economia portuguesa não pode continuar com salários baixos. O que se diz a seguir é que os salários não podem aumentar sem aumentar a produtividade. Uma das causas da baixa produtividade é a baixa qualificação dos trabalhadores, que só explica parte.
Outra razão é a evasão fiscal.

Há muitas outras: a organização da empresa, os métodos de gestão. Há uns anos, se dissesse que também os empresários tinham baixas qualificações, seria um escândalo. Temos que fazer uma opção: ou se resolve o problema dos rendimentos das famílias de outra forma ou se declara que nos próximos 20 ou 50 anos os salários continuarão baixos.

Essa não é a sua opção?

Claramente não. Defendo há muito a diversificação das fontes de rendimento: uma parte do trabalho, outra do capital, o que implica democratização do acesso ao capital. O número de acções que um cidadão comum tem não permite ter a mais pequena influência na gestão. A democratização do capital deve ser também a da empresa.
O estudo fala no ciclo vicioso da pobreza: o pobre tem baixas qualificações e não as melhora porque é pobre. Como romper?

Uma das respostas é que o sistema educativo tem que ter condições de acesso e sucesso das crianças provenientes dos meios pobres. O sistema educativo está desenhado à imagem da família média e média alta: métodos pedagógicos, conteúdos, o apoio que a criança pode ter em casa...

Os programas de luta contra a pobreza não têm funcionado?

Todos os projectos são desenhados de modo a não mexer na sociedade. Essa é uma limitação decisiva. Se os programas não tocam no resto da sociedade, não estão a resolver as causas.

(A entrevista pode ser lida na íntegra em www.publico.pt)
Alfredo Bruto da Costa: "A democratização do capital deve ser também a democratização da empresa"