25.5.08

Idosos de Évora abandonados nas urgências pelas famílias

Maria Antónia Zacarias, in Jornal Público

Instituição tem 30 camas indevidamente ocupadas. Director diz que o hospital "não pode ser um lar"


O Hospital do Espírito de Santo de Évora tem cerca de 30 camas habitualmente ocupadas com idosos cujo estado de saúde não justifica a sua permanência ali, mas que não têm para onde ir. "É praticamente uma enfermaria cheia de pessoas que podiam estar num lar ou em casa junto dos familiares", diz o director do hospital, António Serrano.

O problema do abandono dos idosos pelos seus próprios familiares no banco de urgência da unidade hospitalar não é novo, mas tem vindo a agravar-se. Os filhos alegam muitas vezes a impossibilidade de tomar conta dos pais e a ausência de respostas por parte da Segurança Social. A urgência funciona então como "a última linha", prossegue António Serrano. "Quando não tem outra alternativa a pessoa vem com os idosos para aqui e deixa-os aos nossos cuidados". Os casos de abandono são facilmente perceptíveis: "Muitas vezes os idosos nem precisam de ser observados, porque se verifica rapidamente que não é uma situação de urgência". Mas os familiares "recusam-se mesmo a levá-los" de volta e chegam até a apresentar reclamações.

"As pessoas entendem que o hospital deve ficar com elas. Mas nós não podemos funcionar como depósito, um hospital não pode ser um lar", observa o director.
Quando os familiares chamados para ir buscar os doentes não aparecem, não restam à instituição muitas alternativas. "Os idosos têm de ir para o internamento, se houver vaga. Nalguns casos ficam nos corredores, à espera que haja lugar na enfermaria." O director do hospital esclarece que não pode recorrer à polícia para levar estas pessoas para casa.

"Falta um sistema reforçado de cuidados domiciliários que permita às pessoas receber cuidados médicos e de enfermagem no conforto do seu lar", diz António Serrano, acrescentando que o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde do Alentejo estão a trabalhar nisso.

Mesmo os lares - que são obrigados, por lei, a ter apoio médico e de enfermagem -, recorrem ao hospital de uma forma injustificada. "Mandam-nos para aqui doentes que não deveriam vir se tivessem cuidados médicos nessas instituições", nota o director. E dá um exemplo: "Não é tolerável que em pleno Inverno chegue à urgência um idoso desidratado" vindo de um lar.

"Depois de tratados, os idosos regressam aos lares. Mas isso só acontece muito tempo depois de já terem tido alta, porque têm de aguardar pela chegada dos bombeiros, o que acaba por entupir ainda mais as urgências", explica. O abandono dos idosos pelos familiares, acrescenta, aumenta em certas alturas: nas férias, sempre que há pontes e feriados e quando o tempo começa a ficar melhor para ir à praia.

O Hospital de Évora iniciou uma experiência-piloto "que passa pela criação de uma unidade de convalescença dentro da rede de cuidados continuados e que aumenta o número de camas", explica o director do estabelecimento. É a forma que encontrou para lidar com a situação, mas que mesmo assim "ainda é manifestamente insuficiente para dar resposta a toda esta camada de população idosa que precisa de recuperação em unidades de média e longa duração".

"Há ainda uma vasto trabalho de civismo a desenvolver que envolve toda a sociedade, e no qual esta instituição está e tem que continuar a trabalhar", refere António Serrano.