19.6.08

UE recusa ideia de crise em resultado do "não" da Irlanda

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Hoje poderá ser definido um calendário para a resolução do impasse, que "não pode ser desculpa para a inacção", pede Durão Barroso


Mal refeitos do abalo sofrido com o referendo negativo da Irlanda ao Tratado de Lisboa, os líderes da União Europeia (UE) vão hoje fazer todos os possíveis para contrariar qualquer ideia de crise e afirmar a sua capacidade de resposta às preocupações dos cidadãos.

Esta atitude voluntarista será expressa na cimeira de dois dias que hoje arranca em Bruxelas, sobretudo através da adopção de medidas de curto prazo para ajudar os sectores mais vulneráveis da sociedade a enfrentar a escalada do preço do petróleo que ontem motivou mais protestos na capital belga (ver outro texto nesta página).
Este era o tema central da reunião dos líderes, que se verão no entanto forçados a concentrar grande parte dos trabalhos ao lançamento da operação de salvamento do Tratado de Lisboa, já ratificado por dezoito países mas que não poderá entrar em vigor enquanto esse passo não for dado pela totalidade dos Vinte e Sete.

Jantar de explicações

A generalidade das capitais europeias acredita que será possível ultrapassar o impasse irlandês, o que pressuporá sempre a realização de uma nova consulta popular, num futuro mais ou menos próximo, sobre algum tipo de declaração reafirmando o direito do país em manter a neutralidade militar, a política familiar ou as cláusulas de isenção nas políticas de justiça e assuntos internos.

Janusz Lenarcic, secretário de Estado dos Assuntos Europeus da Eslovénia, que preside actualmente à UE, considerou que "a presidência está convencida de que poderá ser encontrada uma solução em conjunto com a Irlanda". Mas, acima de tudo, Lenarcic considera que "a UE não está numa situação semelhante à de 2005", quando a França e a Holanda rejeitaram a Constituição Europeia, abrindo um longo período de incerteza sobre o futuro das reformas institucionais nela previstas.Nessa altura, o Reino Unido quebrou a solidariedade interna suspendendo o processo de ratificação e influenciando vários países, incluindo Portugal, a fazer o mesmo. O que não aconteceu desta vez.

Algum voluntarismo nas primeiras reacções ao resultado do referendo irlandês - sobretudo por parte da França e Alemanha que procuraram minimizar o impacto do que Paris começou por considerar um "incidente" - com a multiplicação dos apelos, foi agora substituído por uma atitude de escuta e tentativa de compreensão dos argumentos dos opositores ao Tratado. Os líderes esperam, aliás, que Brian Cowen, o seu homólogo irlandês, explique hoje à noite ao jantar as razões que estiveram por trás do voto negativo e mesmo que avance algumas pistas de saída.

Não olhar para o umbigo

Todos sabem, no entanto, que não poderá sair nada de muito concreto desta cimeira, sob pena de a UE dar uma imagem de arrogância e indiferença relativamente à vontade popular. Mesmo os franceses, os mais apressados, já se resignaram à ideia de que uma solução só poderá ser delineada na próxima cimeira de líderes, em Outubro. Apesar disso, a presidência eslovena da UE espera que hoje se ponham de acordo sobre um calendário para a resolução do impasse, em paralelo com o compromisso de prosseguir as ratificações.

A grande incógnita é saber o que farão a República Checa e a Polónia, cujos presidentes eurocépticos recusam por agora promulgar a ratificação. Enquanto na República Checa o processo está atrasado e pendente de uma análise do Tribunal Constitucional, na Polónia, o Presidente Lech Kaczynski já tem em mãos há várias semanas o acto de ratificação do Parlamento sem lhe dar seguimento.

Enquanto os Vinte e Sete procuram uma solução para o Tratado, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, defendeu que a UE não se deve virar para o umbigo dos problemas institucionais, mas concentrar-se numa agenda capaz de responder às aspirações dos cidadãos, como a relativa aos preços dos combustíveis. A principal missão da cimeira "é mostrar que o 'não' ao Tratado não é uma desculpa para a inacção", afirmou durante um debate no Parlamento Europeu.