29.7.08

De imigrante ilegal a médico em Torres Vedras

in Diário de Notícias

Integração. Romeno quer trazer a família que agora já pode sustentar


O doutor Gavrila Mihai começou como cantoneiro em Portugal

O estetoscópio com que Gavrila Mihai observa os doentes que chegam ao Hospital de Torres Vedras fá-lo esquecer o tempo em que trabalhou como cantoneiro e viveu numa casa abandonada, depois de ter entrado ilegal no país.

Depois de a Ordem dos Médicos lhe ver reconhecidas as competências para exercer a medicina em Portugal, há um mês que este cidadão romeno trabalha na urgência daquela unidade hospitalar, cumprindo assim o objectivo traçado em 2005 de "vir para Portugal para sustentar a família" porque, diz, "tenho dois filhos e a minha esposa tem uma doença que nos obriga a gastar muito dinheiro".

A sua aventura começou após ficar desempregado do Exército. Com um salário em dois centros de saúde que "não dava para comprar o passe mensal", Gavrila Mihai, agora com 45 anos de idade, sabia que em Portugal iria encontrar pessoas que "dão ajuda" e uma língua semelhante à sua que começou a aprender através da RTP Internacional e durante os oito meses em que passou por Angola, integrado numa missão de paz da ONU. Porquê a escolha de Torres Vedras? "Antes de partir procurei na Internet e descobri que esta zona tem muitas estufas para trabalhar na agricultura", responde.

Disposto a lutar por uma vida melhor, fosse qual fosse o trabalho que lhe oferecessem, "trouxe uma mala com roupas e documentos, um saco com comida, 30 maços de cigarros e 15 euros". Ao fim de cinco dias de viagem, em Fevereiro de 2005 chegava a Torres Vedras, onde uma conversa com dois ciganos romenos à saída do autocarro o ajudou desde logo a encontrar dormida."

Ofereci-lhes cigarros em troca de ir morar com eles e andava contente porque tinha uma cama para dormir", recorda Gavrila, para quem o trabalho nem sempre bateu à porta. "Cheguei a ir procurar trabalho a pé até à Lourinhã e a Peniche [a 20 e 35 quilómetros] e estraguei o par de Adidas que tinha trazido".

Para não andar descalço recorreu ao Centro Social e Paroquial (distribui roupas e sapatos aos mais pobres), onde foi confraternizando com pessoas da comunidade. Daí surgiu a oportunidade de dormir e tomar banho na Associação Lar Abrigo Porta Aberta e trabalhar como cantoneiro na Junta de Freguesia de Santa Maria."Este homem, ao dizer que era médico e que queria estabilizar a sua vida, convenceu-nos com as primeiras palavras", explica o presidente da junta, Horácio Silva que, com um sorriso nos lábios acrescenta: "ele até costuma dizer que foi Santa Maria que o trouxe aqui".

Foi graças à ajuda da junta que pode frequentar a Universidade Nova de Lisboa, para provar os seus conhecimentos. LUSA