29.7.08

Quando o Tâmega se vê ao espelho... reconhece-se à margem das outras regiões do país

Cláudia Albergaria, in Causas.net

É chegada a hora de reafirmarmos que os concelhos da sub-região do Tâmega integram um território que está, de facto, á margem das outras regiões do País. Os números e os testemunhos apresentados no estudo “Nas Margens do Tâmega: mercado de trabalho, pobreza e exclusão: interacções e intervenções”, confirmam a persistência da pobreza nesta sub-região, associada não só ao desemprego mas também ao mau emprego e a outros factores estigmatizantes e impeditivos de vivências pessoais e sociais dignas e realizadoras.Os principais resultados do estudo acima referido, elaborado no âmbito do projecto "O Impacto do (Des)emprego na Pobreza e Exclusão Social no Porto-Tâmega – Pistas de Acção Estratégicas" , desenvolvido entre Julho de 2007 e Junho de 2008, foram apresentados publicamente no passado dia 18 de Junho, no seminário final que se realizou na fundação Dr. António Cupertino de Miranda, no Porto.

Consideramos que o Seminário Final do projecto constituiu-se como um encontro importante quer porque correspondeu á divulgação de um estudo que se pretende útil à intervenção social nestes concelhos, quer porque permitiu o debate de ideias e de estratégias de acção entre peritos das áreas abordadas e com responsabilidades ao nível da inclusão social, autarcas e outros actores sócio institucionais locais, com base no principio da participação e da troca de experiências. Valeu igualmente pelo impacto que teve na comunicação social, o que se espera contribua para a sensibilização da sociedade civil e do próprio Estado para as questões das desigualdades sociais decorrentes do mau emprego e do desemprego, nesta região do país.

Como sabemos, o grande objectivo do projecto passou pela elaboração de um instrumento de apoio á acção local, pelo que temos de garantir que a informação chegue ao maior numero de actores possível, para que todos possam se apropriar dela e contribuir para a mudança e para a definição de estratégias mais fundamentadas. Assim, para além da publicação em livro do estudo realizado, criaram-se outros produtos através dos quais se divulga o estudo e o próprio projecto, tais como um CD-Room, que foi entregue as participantes no dia do seminário, tendo sido criado também um sub-domínio na página web da REAPN para disseminação dos resultados do projecto, a saber: www.reapn.org/porto-tamega. Este espaço na Internet constitui também uma fonte de informação privilegiada, não só sobre o conteúdo do próprio estudo mas de todas as acções do projecto, assim como das estruturas de acompanhamento e avaliação constituídas, direccionando também os visitantes da página para outros links de interesse. A disseminação do conhecimento e do trabalho desenvolvido com este projecto não terminou com o seminário final, cabe agora a todos nós divulgar os produtos, e, mais do que tudo, trabalhar sobre o conhecimento produzido para o transportar para a prática.

Com base na avaliação que fomos fazendo ao longo do desenvolvimento do projecto podemos afirmar que o balanço final é francamente positivo, desde logo pelo produto principal do projecto, o próprio estudo, que para além de um diagnostico exaustivo da realidade destes concelhos constituirá também, como já referimos, um importante instrumento de apoio á intervenção local, nomeadamente, pelas pistas de acção estratégicas delineadas.

O facto de se terem criado estruturas de acompanhamento, monitorização e avaliação, ao longo do desenvolvimento do projecto, permitiu ir construindo relações de proximidade entre os actores locais, com todos os benefícios daí resultantes. De facto um dos impactos do projecto prende-se precisamente com o incremento das parcerias / mobilização de actores públicos e privados do território em análise, a avaliar pela assiduidade e participação das instituições nas reuniões de monitorização do projecto, nas reuniões da Parceria de Desenvolvimento, Comissão de acompanhamento e outros eventos tais como as sessões de apresentação do projecto e o seminário final.

Temos consciência que o contacto com um número elevado de instituições (aproximadamente 200, ao longo do desenvolvimento do projecto) por si só, não garante que o trabalho em rede seja efectivo. Sabemos que o tempo é um factor fundamental ao nível da consolidação das parcerias, mas, neste caso, a heterogeneidade das instituições (pelas áreas do social com que trabalham e pela função que algumas exercem ao nível das políticas de emprego e do mercado de trabalho) e a disponibilidade que revelaram para colaborar no projecto garantiu o envolvimento e a participação necessária para que o instrumento de acção criado – o estudo – seja apropriado por todos como algo em que estiveram envolvidos desde o inicio, com o qual se identificam e por isso devem assumir, de certa forma, a responsabilidade que possuem ao nível da participação na definição e implementação de planos de acção mais concertados e integradores.

Do contacto com os actores locais emergiu uma preocupação transversal a todos e que diz respeito, precisamente, á dificuldade que existe em trabalhar efectivamente em rede, como parceiros e não como adversários. A consciência de que este é o caminho correcto na luta contra a pobreza está fortemente presente na consciência de todos, mas os obstáculos são consideráveis, nomeadamente os que se prendem com a cultura organizacional de algumas instituições e organismos assim como com a falta de alguns recursos (técnicos, financeiros e materiais) que condicionam a disponibilidade para, nomeadamente, acedermos a formação especifica que prepare os técnicos e dirigentes para as novas formas de trabalhar em parceria. Aqui, é óbvia a importância que adquire as redes sociais concelhias e as plataformas que existem para partilha de saberes e tomadas de posição, nomeadamente as plataformas supraconcelhias. O que se verifica é que as redes sociais estão em estádios diferentes de desenvolvimento nestes concelhos e isso reflecte-se fortemente na eficácia da intervenção social local. Torna-se imperativo, portanto, a continuidade do trabalho nestes concelhos e com estas instituições, publicas e privadas, que pela importância da função que exercem se tornam pedras basilares na luta contra a pobreza.

O projecto assumiu igualmente uma função importante ao nível da sensibilização da sociedade em geral e dos actores locais em particular, para os problemas reais desta sub-região, não só através das actividades desenvolvidas ao longo do projecto, mas também pela acção persistente dos mass-média desde a fase de apresentação publica do projecto até ao seu encerramento. O Seminário final teve uma cobertura mediática muito grande, por parte da imprensa local, regional e nacional, tendo sido alvo de atenção também por parte de rádios locais, e de algumas estações de televisão, o que se torna essencial pois a informação faz parte de um dos primeiros níveis da escada da participação, sem a qual não podemos exercer uma cidadania activa, reivindicar direitos e reclamar responsabilidades.

Apresentamos alguns níveis em que consideramos que o projecto teve um impacto positivo, mas não podemos esquecer que a nossa preocupação central prende-se com o impacto que o projecto poderá ter na vida das pessoas que vivem em situação de pobreza, o que deverá ser, predominantemente, avaliado á posteriori, pois tratando-se de um projecto que teve como principal produto um estudo de investigação social e a identificação de um conjunto de pistas de acção, espera-se a curto-médio prazo que essas pistas sejam apropriadas pelos actores locais, fundamentalmente pelos actores que detêm o poder publico local, e que daqui resulte um plano estratégico, supra-municipal, com vista ao desenvolvimento local e á promoção da inclusão social. Espera-se, antes de mais, que esse plano deixe de ser “um plano” com a maior brevidade possível e passe a ser a estratégia implementada, concreta, que oriente todos os que intervêm da área do social, e todos os outros que aí têm também responsabilidades, pois a pobreza é um problema que a todos diz respeito.

Não podemos deixar de referir que um estudo de investigação é sempre um produto inacabado, desde logo porque a realidade social está em constante mutação. Nenhum estudo social consegue abordar todas as dimensões de um problema tão complexo como o da pobreza. Temos contudo a certeza que as opções metodológicas adoptadas foram ao encontro de uma necessidade identificada – a de aprofundar a complexa relação que se estabelece entre o desemprego (ou o mau emprego) e a pobreza, provando-nos que ter um emprego não garante ao cidadão sair da situação de pobreza em que se encontra, nem o impede de entrar nesta situação após o ter conseguido.

Torna-se pois fundamental colocar outros estudos, que abordem as questões da pobreza e do desenvolvimento local sustentado, sobre a mesa, ao lado deste que realizamos no âmbito deste projecto, pois as diferentes perspectivas de analise da realidade garantem a sua complementaridade, sobretudo os que se realizaram nos mesmos territórios. Para além disso, será importante realizar estudos dentro da mesma abordagem para outros concelhos não abrangidos por este projecto e que, pela sua proximidade territorial devem ser contemplados em termos de planos estratégicos para esta região, pois a permeabilidade dos problemas sociais é muito significativa, especialmente quando a distancia geográfica é reduzida.

A pobreza e a exclusão social limita o ser humano enquanto ser bio-psico-social, o que se reflecte, em ultima instancia, na destruição da sua própria identidade e auto-estima. Assim, também a identidade colectiva desta sub-região do Tâmega se vê fragilizada, vendo no seu espelho o reflexo de uma região, em certa medida, esquecida e negligenciada relativamente a outras regiões do país, e por isso mais desprovida de recursos e de oportunidades. Torna-se portanto fundamental distinguir, no âmbito da acção social, as respostas “curativas” das respostas “preventivas”, accionando umas e outras de acordo com as especificidades e exigências das situações e, o que não é menos importante, identificar e rentabilizar as potencialidade da região, de forma a torná-la atractiva para grandes investidores - com vista à inovação e ao desenvolvimento da região, á criação de postos de trabalho e ao reforço das identidade locais, que se encontram debilitadas em termos da sua auto-imagem, o que condiciona pela negativa o empreendedorismo (interno e externo) imprescindível para reverter o caminho que este território está a seguir.

Não podemos, por todos estes motivos, dar por encerrado este trabalho mas sim reafirmar a nossa co-responsabilidade e comprometimento, relativamente á continuidade do trabalho em rede, nesta e noutras regiões do nosso país, em prol dos mais desfavorecidos, e com eles, porque são eles que, pela negação que lhes é dada do direito a um emprego digno e ao acesso a outros direitos fundamentais, vivem com o futuro comprometido e com o presente enredado nas tramas da pobreza e da exclusão social.