26.9.08

Medidas de protecção de crianças pouco acompanhadas

Andreia Sanches, in Jornal Público

Relatório do ISCTE avalia actividade das CPCJ. E revela que estas continuam a confrontar-se com "insuficiência de recursos"


É preocupante o quadro traçado por uma equipa de investigadores sobre o funcionamento das comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ). Começam por dizer que o facto de estas estruturas terem que pedir aos "pais maltratantes" consentimento para "actuar junto da família" da criança sinalizada é "uma incongruência". Desde logo, porque pode significar "a perda de eficácia de futuras investigações criminais, uma vez que coloca o 'suspeito' de sobreaviso". E porque implica, muitas vezes, um "desperdício de tempo".

Mas se a obrigatoriedade do consentimento dos pais se revelou "um problema evidente", há outros: a falta de recursos humanos, por exemplo. E o acompanhamento que é dado às medidas de protecção das crianças decretadas. "Pode dizer-se que, confrontadas com o número crescente de processos e com a insuficiência de recursos", as comissões relegam "para segundo plano" o acompanhamento. É "um dos pontos mais críticos das CPCJ".

Chama-se Estudo de diagnóstico e avaliação das comissões de protecção de crianças e jovens, foi concluído em Fevereiro deste ano e coordenado pela socióloga Anália Torres, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa. Baseia-se sobretudo em "estudos de casos" de 26 das 300 CPCJ existentes no país e em entrevistas a várias pessoas ligadas à área.

O estudo, pedido pela Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR), revela que, apesar das medidas tomadas nos últimos anos para reforçar as CPCJ (formação de técnicos e reforço das equipas), muitas dificuldades continuam a subsistir. "Os técnicos das comissões esforçam-se imenso, dão o seu melhor, trabalham com situações muito complexas", diz Anália Torres. Os maiores problemas das comissões estão, na verdade, diz, nas condições que têm.

Os investigadores encontraram desde logo "algumas disparidades relativamente aos procedimentos adoptados nos casos graves, nomeadamente de negligência grave, de maus tratos agravados e de abuso sexual". Por exemplo: há CPCJ onde, em situações de "perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança", a prática frequente é solicitar a intervenção do tribunal ou das entidades policiais, independentemente da recusa de consentimento dos pais, para afastar a criança do perigo; noutros casos, os procedimentos de emergência só são accionados em casos-limite (e pelo caminho, as situações de risco podem agravar-se). Podem ser necessárias, diz Torres, orientações mais claras.

Armando Leandro, presidente da CNPCJR, admite que sejam necessários "alguns ajustamentos". Mas não tem dúvidas: "O consentimento de quem tem a guarda das crianças, para a intervenção das CPCJ, é essencial - a responsabilidade parental só pode ser limitada pelos tribunais. E tem uma função estratégica: levar os pais a aderir a um projecto de responsabilização pelas suas crianças."

É evidente, diz, "que isto coloca alguns problemas relativamente a alguns casos em que é preciso uma intervenção urgente". Pelo que se está a "estudar a forma de conciliar a protecção da criança, que é o primeiro dos objectivos, com o consentimento" dos pais. Leandro considera, no entanto, que na generalidade dos casos urgentes as CPCJ accionam os "procedimentos de emergência".

Das medidas de protecção instauradas pelas CPCJ, a mais frequente é o "apoio junto dos pais" ou da família alargada, para que possam cuidar devidamente das suas crianças, sendo que este apoio pode ser prestado pelas mais diversas entidades. Mas em muitas situações, sublinha o estudo, o acompanhamento que as CPCJ fazem destas medidas "não é mais do que um procedimento burocrático", traduzindo-se, por vezes, "num único contacto telefónico" no final dos seis meses. "Há um grande investimento das CPCJ na definição das medidas, é preciso falar com o pai, a mãe, a avó, ir a casa, uma e outra vez, fazer todo o diagnóstico", diz Anália Torres.

Quando se define uma intervenção com os progenitores,
já é preciso passar ao caso seguinte...

Armando Leandro garantia ontem (à margem de um seminário sobre a relação das CPCJ e dos meios de comunicação social) que as falhas no acompanhamento não são regra. Até porque há outras entidades (Segurança Social, instituições de solidariedade...) a acompanhar as famílias. Mas admite: "Há um problema que não está resolvido que é todas as entidades que integram as CPCJ responsabilizarem-se pela indicação de pessoas com tempo bastante para exercer as suas funções." Anália Torres acredita que, de facto, outras entidades assumem um papel no acompanhamento das famílias. Mas diz que é preciso estudar como é que ele está a ser feito.

Nota, no entanto, que "a questão básica" nos problemas encontrados é a dos recursos. "É preciso garantir que os núcleos das CPCJ com mais processos são constituídos por pessoas que estão a tempo inteiro e com formação."

2%
Em 2006, dois por cento das crianças e jovens até aos 21 anos que residiam no país foram acompanhados por uma CPCJ