23.10.08

A leitura está a ganhar cada vez mais espaço nas escolas

Bárbara Wong, in Jornal Público

As crianças estão a ler mais e isso contribui para a melhoria dos seus resultados escolares, dizem as escolas em inquérito de avaliação do Plano Nacional de Leitura


A turma do 5.º I não teve aula de Educação Musical porque o professor faltou. Por isso, os alunos dirigem-se para a biblioteca da Escola Básica de 2.º e 3.º ciclo Francisco de Arruda, em Lisboa. É ali que vão permanecer nos 45 minutos seguintes. Se muitos preferem ir para a ludoteca jogar Monopólio, João e Gabriel optam por ler. De dedo em riste, percorrem os títulos de duas prateleiras e decidem-se por histórias de aventuras. João lê com atenção e à primeira palavra que não percebe, levanta-se, procura o dicionário, abre no "a" de "antropólogo". O Plano Nacional de Leitura arrancou há dois anos e, num inquérito feito às escolas, estas dizem que os alunos estão a ler mais e isso contribui para a melhoria das suas competências de literacia e também para os seus resultados escolares.

Hoje e amanhã, decorre na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a II Conferência Internacional PNL, onde vai ser divulgado o estudo de avaliação externa do plano, feito pela equipa de António Firmino da Costa, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Vão ser também conhecidos os projectos da Alemanha e do Reino Unido, além de algumas iniciativas que se fazem em Portugal no âmbito da promoção da leitura e da literacia em adultos e crianças.

Um pouco antes do intervalo, os alunos do 5.º I arrumam os jogos e os livros e preparam-se para sair. Gabriel requisita o livro que começou a ler e João está feliz porque "adiantou um capítulo" àquele título que também tem em casa. "Costumo ler todas as noites, antes de me deitar!", orgulha-se. Na escola Francisco de Arruda, o PNL aplica-se a partir da biblioteca escolar e em articulação com as outras disciplinas, informa Lurdes Caria, coordenadora daquele espaço. Se é preciso fazer uma aula de substituição, é para lá que os alunos vão. Algumas aulas de Formação Cívica também podem ser ali, onde aprendem a fazer fichas de leitura ou ouvem histórias da boca de José Manuel Carvalho, um voluntário que propôs ler para os alunos para "lhes transmitir o gosto pela literatura". Ontem, o contador de histórias escolheu histórias dos Irmãos Grimm e de Charles Perrault para ler aos alunos do 6.º B.

Há ainda iniciativas feitas em conjunto com outras disciplinas, como Educação Visual e Tecnológica. O ano passado, cada turma de 5.º ano leu uma obra e depois transpô-la para as paredes da sua sala de aula. O 6.º G pintou O Principezinho para pintar na parede do fundo da sala e cada aluno decorou o seu cacifo com temas dessa obra. Ana Baptista leu o livro e depois foi ver a peça de teatro, de que gostou.

Os estudantes, desde os três anos ao 9.º ano, estão a ler mais, dizem 828 de 1104 agrupamentos de escolas e estabelecimentos não-agrupados, do pré-escolar ao 3.º ciclo, no inquérito de avaliação externa do PNL. As crianças e adolescentes lêem mais na escola, mas começam a intensificar as práticas de leitura fora dela, onde lêem livros relacionados com os estudos, mas também fazem outras leituras. Estas estão a influenciar positivamente os seus resultados escolares, dizem as escolas.
"As crianças estão a ler muito, há uma grande dinâmica", declara Isabel Alçada, comissária do PNL. "A apreciação que os professores fazem é que os alunos estão a ler mais e melhor. Na escola há uma actividade sistemática, existem ainda actividades lúdicas em torno da leitura e um clima que a valoriza. Por isso, ler está a tornar--se um valor positivo", analisa António Firmino da Costa, do grupo responsável pela avaliação externa do PNL.

À espera do PISA

A biblioteca da Francisco de Arruda preparou baús com livros, que circulam pelas cinco escolas de 1.º ciclo e salas de jardim-de-infância do agrupamento, explica Lurdes Caria. Os títulos foram financiados pelo PNL.

Segundo o inquérito da avaliação externa, é no pré-escolar e no 1.º ciclo que os alunos mais lêem em sala de aula - nos jardins-de-infância 54,7 por cento respondem que o faz diariamente; no 1.º ciclo 42,9 por cento optam por fazê-lo semanalmente. Oito em cada dez alunos do 3.º ciclo também lêem em sala de aula, a maioria semanalmente, mas são menos os que pegam em títulos que não estejam relacionados com a escola.

As suas leituras têm algum impacto no desenvolvimento ou melhoria de competências e resultados dos alunos? Sim, responde a grande maioria das escolas. A resposta a esta pergunta aumentou de um ano para o outro, com 87,5 por cento dos estabelecimentos de pré-escolar, 2.º e 2.º ciclos a dizer que melhoraram as competências de leitura e de literacia, contra 81 por cento no ano anterior. Sete em cada dez escolas dizem que a leitura também influenciou de modo positivo os resultados escolares; no anterior apenas 57 por cento respondeu nesse sentido.

Firmino da Costa olha para estes valores com algum cuidado: "Há pequenas percentagens de acréscimo de interesse. Faltam medições periódicas internacionais, como o PISA [que avalia a literacia dos alunos de 15 anos, dos países da OCDE] para vermos de modo objectivo se as competências dos alunos subiram. Esta é uma apreciação dos professores."

No entanto, as escolas também se queixam: mais de metade diz que falta tempo para concretizar as actividades do PNL. São sobretudo as do 2.º ciclo que mais sentem esta dificuldade (71,7 por cento). As escolas também dizem ter falta de recursos e as de 2.º e 3.º ciclos apontam dificuldades em articular o plano com os currículos.
Na Francisco de Arruda, os professores combinam leituras relacionadas com a matéria que estão a leccionar, por exemplo, sobre o terramoto ou sobre a descoberta do Brasil. Para que se leia mais, Lurdes Caria criou o Passaporte da Leitura, um caderno onde os estudantes têm de fazer fichas de leitura e carimbar de cada vez que concluem a leitura de um livro requisitado. No final do ano, o aluno com o passaporte mais carimbado ganha um prémio. Catarina, do 6.º B, é uma séria candidata, já que, o ano passado, ganhou um prémio nacional por ser uma grande leitora.