27.10.08

Portugueses que vivem no "olho do furacão"

Virgínia Alves e Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

A crise financeira vista do país que quase foi à falência, a Islândia, e onde tudo começou, os EUA


Do mundo financeiro, a crise está a atingir a vida dos portugueses emigrados. Mas na Islândia, salva no último momento da falência pelo FMI, e nos Estados Unidos, que olham para as eleições como uma saída, reina o optimismo.

Não pensam regressar a Portugal, apesar de tudo. A vida na Islândia ou nos Estados Unidos promete dias melhores aos portugueses que decidiram fazer vida noutro país. E surpreendem com palavras de optimismo no meio do cenário negro de uma recessão mundial cada vez mais provável.

Em três semanas, um dos países mais ricos do mundo ficou na bancarrota. Três bancos comerciais foram nacionalizados e a população, entre eles portugueses, percebeu que a crise chegou sem bater à porta. Incerteza é a palavra mais comum actualmente na Islândia. "Ninguém sabe o que pode acontecer nos próximos tempos, há muitas pessoas a serem despedidas, mas mesmo assim ainda há confiança no Governo", contou ao JN Beatriz Fernandes, a residir naquele país.

Partiu de Portugal há 21 anos e não pensa regressar, nem deixar a Islândia. "É verdade que já se começa a notar a crise. Trabalho numa lavandaria e o trabalho tem vindo a diminuir, não há dinheiro", referiu, mas acrescentou: "Não existe pânico, embora as previsões é que comecem a faltar bens, mesmo alimentares, e os preços tenham subido muito". A Islândia importa muitos dos produtos de consumo e, só como referência, o litro do leite subiu 11% na última semana. Beatriz Fernandes apontou o dedo aos problemas no exterior como a causa da crise, mas lembrou que a Islândia já ultrapassou crises piores.

Paulo Gramata, emigrado há mais de dez anos, também não pensa partir, mas conhece casos de emigrantes recentes que o querem fazer. "Já não conseguem enviar dinheiro para as famílias, o dinheiro só sai com autorização do banco". Além disso, na construção civil, onde trabalha, o desemprego também aumentou muito, "quase o dobro desde o início do ano".

A desvalorização da moeda, a coroa islandesa (a cotação oficial era de 112 coroas para 1 dólar, no início do ano era de 60), também não ajuda quem quer partir, "nem quem tem empréstimos em moeda estrangeira", salientou. Dá 0 exemplo de um familiar que quer voltar para Portugal, "mas não consegue vender o apartamento".

O optimismo reina entre os portugueses a viver em Newark, nos arredores de Nova Iorque, Estados Unidos, apesar de todos conhecerem quem tenha perdido o tecto. "As pessoas viram o preço das casas a cair a pique, de tal maneira que começaram a valer menos do que o valor dos empréstimos. Por isso deixaram de pagar", explicou Leonel Pina, emigrado há tantos anos que o seu filho, nascido lá, também já comprou casa. E não foi difícil, assegurou. "Os bancos têm muito dinheiro para emprestar, mas só com garantias", disse. Agora, porque nos últimos anos o que a banca queria era "emprestar dinheiro para receber prestações muito altas", nem que fosse a imigrantes ilegais. Nada disso se passa da comunidade lusa, disse. "Somos muito conservadores, se pudemos pagar dez só pedimos cinco".

Beatriz, da Arcos Pastelaria, é um bom exemplo. Não nota o congelamento do crédito por parte da banca. Desde o início da crise, há mais de um ano, "ainda não precisei de pedir dinheiro. Não tenho razão de queixa e não tenho tido menos clientela", disse. Tal como Leonel, não pensa regressar a Portugal tão cedo. "Talvez quando me reformar lá vá mais vezes, mas tenho cá filhos...", justificou.

Victor Vinhas não tem tanta sorte. O negócio da ourivesaria "tem baixado um pouco, mas não está tão ruim quanto as notícias fazem crer". E a comunidade lusa não está a ser muito afectada. "Por tradição trabalha com pouco crédito", adiantou.

Por isso, está optimista, tal como o sr Pinheiro, empregado de restauração. "Tenho a forte esperança de que para o ano vai melhorar", disse. Mas 23 anos depois de ter entrado pela primeira vez nos EUA, já não pensa voltar. "A vida não está fácil, mas estive em Portugal em Setembro e lá também não", rematou.