24.11.08

Pobreza no Porto

Pedro Neves,in Expresso

A partir da semana que vem o Expresso vai publicar um conjunto de vídeos de gente com habitações degradadas ou sem um tecto onde se abrigar. Pessoas doentes sem ninguém que as cuide. Desempregados de longa duração sem perspectivas de futuro. Solidão mergulhada no mais profundo desespero. "Pobreza no Porto" é um trabalho sem vergonha de mostrar a vergonha. A vergonha que tem quem pede fiado na farmácia, quem não tem onde tomar banho, quem só consegue viver do Rendimento Social de Inserção, quem dorme no chão.

Basta ligar a televisão, sintonizar a rádio, olhar para a manchete de um jornal. Nos últimos anos a pobreza tem-se agravado no mundo. Nos últimos meses, é actualidade diária em todos os órgãos de comunicação social de Portugal. São os combustíveis que aumentam, as pescas que estão em crise, os alimentos que escasseiam, a precariedade que se alastra, o desemprego que sobe, o nível de vida que nunca esteve tão baixo, a solidão que deprime, a fome, as doenças que se julgavam extintas que voltam aos hospitais, os novos e os velhos pobres.

Se para muitos, o aumento do custo dos alimentos significa comprar dois e não três pacotes de arroz, para outros, o mesmo aumento significa não comprar arroz. Se, para uns, a inflação não lhes permite umas férias folgadas, para outros, a inflação significa deixar de pagar rendas, significa pedir fiado na farmácia, comer um prato de sopa e ir dormir antes que a fome aperte.

De norte a sul do país multiplicam-se os casos de falta de solidez económica, de depressões associadas a fracas condições de vida, ao estilhaçar do trabalho, à inexistência de cuidados de saúde eficazes ou de medidas estruturais que combatam a pobreza.

É no distrito do Porto que a situação é mais grave. Numa área com cerca de 2,5 milhões de habitantes, há cerca de meio milhão de pessoas a viver na pobreza.

O Banco Alimentar Contra a Fome não consegue responder aos pedidos e tem mais de 100 instituições em lista de espera para receber alimentos. O desemprego aumenta, o Rendimento Social de Inserção aumenta, a falta de cuidados de saúde aumenta, o analfabetismo real ou funcional aumenta, a burocracia é difícil de contornar. Depois há as reformas baixas, a escolaridade reduzida, a exclusão familiar, a falta de equipamentos, a vergonha, a depressão. São avós, pais e filhos, famílias inteiras sem objectivos, sem futuro. Moram em bairros sociais, em ilhas, em pensões, em quartos, em tipologias demasiado apertadas ou mergulhadas na mais profunda solidão. Não se tipifica, antes se generaliza a pobreza que atravessa idades, bairros, lugares, que se prende com factores económicos e sociais que funcionam como âncoras que não se conseguem desprender.

Os últimos dados na União Europeia mostram que Portugal é um dos países com maior desigualdade social. No relatório social europeu, Portugal é apontado como o país mais desigual da Europa a 25. No relatório, o país tem 41% de desigualdade quando o ideal se situa nos 1%.

O Eurostat, que mede a desigualdade através da relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, coloca Portugal no fim da tabela europeia. O mesmo acontece entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Em Portugal, há um milhão de pessoas a viver com menos de dez euros por dia. Representa 9% da população nacional. Só no distrito do Porto, esse valor chega a meio milhão de pessoas.

Durante a pesquisa para esta série de pequenos documentários, fui a lugares onde morreu a esperança colectiva, onde há gente viva à beira da morte social. São casos escondidos atrás de muros, de janelas e portas fechadas, de portões ferrugentos, de bairros fechados sobre si mesmos. É gente que tropeçou no entulho e na desilusão, nas privações, perdas, angústias, na dolorosa mudança de hábitos. É gente que foi empurrada dos sonhos para o chão. São rostos que encaram a vida como um castigo, actores sociais despidos de sucesso material. São olhares cansados de tanta não sorte, porque não se pode falar de má sorte quando nunca se entendeu o significado da palavra.

Podia - e pode - acontecer a qualquer um de nós. Bastava-nos ter nascido ou crescido num ambiente desfavorável ou que, num determinado momento, a vida tivesse dado outras voltas. Por vezes, é um único acontecimento que desencadeia uma série de reacções que provocam uma drástica mudança de vida: um filho que se tornou toxicodependente, uma mãe que adoeceu, um pai que morreu, uma família analfabeta que nunca se preocupou ou teve condições para educar, um despedimento que se tornou crónico, uma depressão que nunca se tratou.

O que este trabalho pretende é apelar à reflexão sobre o mundo de hoje, sobre a sociedade em que vivemos, o modelo social em que nos inserimos. Se possível, pretende, ao alertar consciências, provocar mudança nas vidas destas pessoas.

Entre dezenas de possíveis personagens, escolhi algumas que simbolizam tudo isto. Chamam-se Ramiro e Rosa, Albino, Helena e Alexandre, Zulmira, Elísio, José Luís. Podiam-se chamar João, Pedro, Isabel ou Catarina. Ou Joaquim, Alice, Olinda, António, Pedro.