29.12.08

2008 em balanço

Luis Filipe Santos, in Agência Ecclesia

Igreja Católica em Portugal viveu um ano cheio de acontecimentos, marcado por mudanças e pelo agravamento das condições socioeconómicas


2008 foi um ano cheio de acontecimentos para a Igreja Católica em Portugal, tanto do ponto de vista interno como na sua intervenção num social, num cenário de crise que se foi progressivamente agravando.

Já no início do ano, o Pe. Agostinho Jardim Moreira, Presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (REAPN) propunha a criação de um organismo independente que trace um plano de luta contra a pobreza, “de forma concertada entre Ministérios, para que as políticas não sejam irreais nem se inviabilizem mutuamente”. Foi uma premonição para a crise que se adivinhava e que assumiu uma maior gravidade nos últimos meses deste ano.

No discurso de Ano Novo, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, questionou se “os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores”. O mastro do barco laboral mostrava que os ventos sopravam contra a corrente. A Igreja estava atenta e denunciava as injustiças sociais. “Enquanto faltarem intervenções estruturais, a sociedade vai continuar a ter as mesmas deficiências e misérias, com a riqueza acumulada na mão de uns poucos” – lamentava o Pe. Jardim Moreira.

Como a organização do trabalho estava a sofrer “grandes alterações, com consequências graves para a vida dos trabalhadores e suas famílias”, as Ligas Operárias Católicas (LOC) das várias dioceses realizaram colóquios, de Norte a Sul do país, para reflectirem sobre o “aumento do desemprego, principalmente nas mulheres e jovens, as empresas a fechar ou a deslocarem-se para outros países, e o não aparecimento de novas indústrias para absorver os desempregados, são realidades que nos preocupam” – denunciavam os membros da LOC de Braga.

A Igreja Portuguesa esteve atenta aos fenómenos sociais e lançou propostas. Visto que a organização da sociedade “não valoriza a família, havendo dificuldade em conciliar os horários de trabalho entre todos os membros”, no Fórum Nacional da LOC/MTC, os participantes pediram que se fomentasse “o empreendedorismo social, que pode permitir a melhor utilização dos recursos com vista à solidariedade” e se incentivasse “a criação de redes locais ou comunitárias para o emprego e a qualificação das pessoas”.

As mensagens de Natal dos bispos portugueses foram unânimes na análise da realidade actual. A crise, a preocupação com a família e a atenção aos mais desfavorecidos foram temas que trespassaram as palavras dos prelados para a quadra natalícia.

Braço-de-ferro na Educação

A questão da educação e o braço de ferro entre professores, sindicatos e ministério foram um assunto que, desde o início do ano, preocupou os bispos portugueses. O mal-estar “pode reflectir-se numa crise emergente” – alertou, em Março último, o secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Uma previsão que teve erupções mais fortes nos últimos meses do ano. As greves trouxeram milhares de professores para a rua.

A sucessão de diálogos entre o Ministério da Educação e os Sindicatos mostrou poucos frutos. Os dois pilares não cedem... Ideias fixas. No entanto, os bispos portugueses mostram preocupação e D. Jorge Ortiga, Presidente da CEP, após um encontro com Mário Nogueira, afirmou: “encontre-se uma solução o mais rapidamente possível”. Neste jogo de forças quem sai “prejudicado são os alunos” – lamenta D. Jorge Ortiga. A “cultura de exigência” é fundamental na educação.

Quando as divergências educacionais começaram a entrar no «descalabro dos ovos», D. António Marto, vice-presidente da CEP, no encerramento dos trabalhos da Assembleia Plenária da CEP, em Novembro, avançou: a missão dos professores “é mais importante que a dos próprios políticos”. E explica a sua afirmação: “são eles os educadores das crianças e jovens que são o futuro do próprio país”.

A Assembleia Plenária da CEP aprovou uma Carta Pastoral sobre «A Escola em Portugal – Educação Integral da Pessoa Humana» onde se reflecte sobre a missão da escola como projecto educativo orientado por valores. Ao falar sobre este documento aos jornalistas, D. António Marto apela “a um diálogo sereno e civilizado para que se possa ultrapassar as dificuldades presentes”. Como a questão da escola merecia uma reflexão mais aprofundada, os bispos lançam pistas orientadoras visto que se torna “necessário analisar e avaliar, com serenidade e profundidade, os problemas emergentes mais importantes que afectam, no nosso tempo, a vida da escola, para melhor os poder enfrentar”.

Pela sua importância e pela crise que vem enfrentando, a escola é uma instituição que “não nos pode deixar indiferentes, bem como a todos os cidadãos que tenham preocupações relacionadas com o presente e o futuro do país” – realça a Carta Pastoral.

A educação é um problema de toda a sociedade civil “não apenas da escola em si, mas de todos os intervenientes da sociedade”. E acrescenta: “É uma causa nacional”.

É necessário combater o descartável e o vazio. A reacção corrosiva ao essencial e ao permanente, instalaram-se de tal modo na sociedade, que minam o sentido da vida, das relações pessoais e da convivência sadia.

D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa lembrou na sua Mensagem de Natal que “nas últimas semanas os acontecimentos levaram-nos a fixar a nossa atenção num grupo de pessoas cuja missão é decisiva para o futuro de Portugal: os professores, os formadores das nossas crianças e dos nossos jovens”.

“Que ninguém ouse transformar este sofrimento em simples arma de luta política, porque na batalha da educação os únicos vencedores têm de ser os vossos filhos. Para estes esta batalha não é política ou sindical: é a batalha da vida, que eles só vencerão com a generosidade, a competência e a coragem de todos nós”, apela.

Desenvolver o exercício da cidadania

Apesar de todo o avanço tecnológico, assiste-se à intensificação dos ritmos de trabalho e a horários cada vez mais longos que provocam o cansaço e retiram tempo à família. Perante estes factos é fundamental “desenvolver o exercício da cidadania e defender a dignidade e o valor da pessoa humana” – apelaram.

A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) desempenhou um papel fulcral na defesa dos trabalhadores e lembrou que a Doutrina Social considera que os sindicatos “são um elemento indispensável da vida social”. Num seminário onde se discutiu o futuro do sindicalismo perante a globalização, Manuela Silva, presidente da CNJP, realçou que a acção colectiva é necessária e “urgente em prol da defesa de um trabalho digno”.

Para perceber as dificuldades sociais que estão enraizadas em determinadas profissões, D. António Francisco dos Santos foi para a rua falar com os agricultores, comerciantes, pescadores e sociedade civil. No contacto com a comunidade percebe-se as razões do desânimo e “tentamos levantar a auto-estima das pessoas”.

Empreendedorismo social

Empreendedorismo social é uma das propostas para um novo rumo social. Mais perto do final do ano, em Novembro passado, na apresentação da Semana Social de 2009, D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social reforça esta ideia. A Igreja Católica em Portugal “deseja que no actual cenário de crise surjam novas formas de empreendedorismo social, “combatendo a tendência de delegar no Estado e noutras instituições a solução para os problemas”. E apela para que haja “a responsabilidade de cada pessoa na construção do bem comum”.

Quando foi anunciado que o novo aeroporto de Lisboa ficará em Alcochete, D. Gilberto Reis, bispo de Setúbal, manifestou o seu regozijo. “É uma boa notícia porque permite diversificar outro grande pólo de emprego”. Uma Obra Pública que dará trabalho a muitas pessoas e diminuirá o desemprego na península sadina.

Em plena crise do sector bancário, internacional e nacional, a Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) chamava a atenção dos empresários “para que paguem as dívidas pontualmente”. A crise financeira internacional “não teria existido se os responsáveis empresariais tivessem actuado dentro de padrões de ética e de responsabilidade social”.

Ao Estado, a ACEGE recomenda que se “adoptem medidas, nomeadamente de flexibilidade laboral e de natureza fiscal, que encorajem e facilitem a aceleração do aumento do salário mínimo nacional, numa estratégia de partilha de custos entre as empresas e o Estado no combate à pobreza”.

Toda a prioridade às Crianças

Um grupo de acção social em cada paróquia que esteja atento às crianças desprotegidas é a proposta lançada na Nota Pastoral «Toda a prioridade às crianças» divulgada pela Conferência Episcopal Portuguesa no final da Assembleia Plenária de Novembro. “Quando falha o lugar essencial da família no desenvolvimento da pessoa humana, a sociedade é chamada a socorrer e amparar a missão das famílias”. E acrescenta a Nota: “Em muitos casos, vê-se obrigada, dada a insistente incapacidade e situação de perigo, a encontrar instituições alternativas. Nelas procura manter características similares à família: no ambiente, carinho, disciplina e demais atitudes educativas, recomendadas pela visão actual das ciências humanas”.

Durante longos meses, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) sentou-se à mesa das negociações com alguns ministérios. O presidente da CNIS, Pe. Lino Maia frisava, no início do ano, que o Estado “não pode ser o grande e único educador das massas”. Este responsável sublinhou que as Actividades de Enriquecimento Curricular que estão consagradas nas escolas “são uma cópia reduzida daquilo que se passa na maioria dos nossos ATLs”.

A livre escolha dos pais na educação dos filhos foi objecto de uma petição lançada pela CNIS. Sucesso garantido, visto que mais 160 mil assinaram o documento entregue na Assembleia da República.

Solidariedade aquém e além fronteiras

A receita da «Sinfonia das Palavras» - obra escrita pelo Pe. Almiro Mendes (diocese do Porto) – tinha como destino os missionários na Guiné-Bissau. Percorreu as estradas que ligam estes dois países lusófonos e foi entregar um jipe àqueles consagrados. Na Guiné “não se pode dizer que não se sabe”, mas antes ter a capacidade de se ser “inventivo e criativo, tal como o amor” – disse o Pe. Almiro

Por excelência, a Quaresma é o tempo litúrgico onde se promove o valor da solidariedade. Vive-se a conversão interior e reforça-se a partilha com os mais desprotegidos. Os bispos portugueses apelaram aos seus diocesanos para que renunciassem ao secundário e ajudassem comunidades mais frágeis.

É português, mas exerce o munus episcopal em S. Tomé e Príncipe. D. Manuel dos Santos esteve em Setúbal para conhecer o projecto «Ponte de Esperança» que liga as crianças sãotomenses aos padrinhos portugueses.

Toneladas de generosidade. As campanhas do Banco Alimentar Contra a Fome recolhem, anualmente, milhares de quilos de alimentos para auxiliarem os mais fragilizados da sociedade. Com o «produto» angariado, os bancos alimentares fazem a multiplicação dos pães.

A Cáritas Portuguesa promoveu mais uma operação «10 milhões de estrelas». Falou ao coração dos portugueses e estes mostraram que, apesar das dificuldades actuais, são solidários. As verbas angariadas destinam-se às Caritas diocesanas e a um projecto internacional.
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Valorizar o papel dos imigrantes

A Europa não pode cair na tentativa de «desnatar» a imigração e aceitar apenas quadros qualificados. Sem os imigrantes, o continente europeu não pode concretizar o seu projecto de desenvolvimento” – alertaram os animadores sócio-pastorais das migrações.

Ao olhar para a realidade portuguesa, D. António Vitalino, Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana, rejeita que exista um “racismo generalizado” na sociedade portuguesa face à etnia cigana.

A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) saiu em defesa dos imigrantes quando foi aprovada a Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao regresso de imigrantes em situação ilegal. É um acto “discriminatório e um atentado ao direito à liberdade” – defende a CNJP.