23.12.08

Combate à pobreza é a primeira e principal condição para a paz

in Agência Ecclesia

É com imenso regozijo que recebo a mensagem de Sua Santidade, o Papa Bento XVI, para o Dia Mundial da Paz de 2009 subordinada ao tema “Combater a pobreza, construir a Paz”. E o meu júbilo com esta mensagem e com o seu conteúdo tem por base duas razões que importa sublinhar: a primeira é que sempre considerei fundamental que o combate à pobreza seja elevado a objectivo principal da humanidade; a segunda é que todos os argumentos apresentados por Sua Santidade vão completamente ao encontro de um conjunto de ideias que há muito tempo procuro defender mas que, embora repetidas enquanto discurso por muitos actores, continuam a não encontrar o suficiente eco na sociedade portuguesa e nas acções políticas responsáveis pelo combate à pobreza.

É por estas razões que me permito salientar e resumir os principais argumentos magistralmente apresentados por Sua Santidade e com os quais me encontro perfeitamente em sintonia, na expectativa de que tais argumentos possam sensibilizar-nos e mobilizar-nos a todos para darmos passos mais decisivos e corajosos em direcção a um futuro onde verdadeiramente seja possível erradicar a pobreza e alcançar a paz.

1. Combater a pobreza é lutar pela justiça, pela paz, no fundo, pela tão proclamada (e tão pouco preservada) coesão social. Um mundo onde existem pobres é um mundo em risco e onde dificilmente será possível termos paz.

2. A Globalização precisa de ser encarada na perspectiva de que “todos somos participantes de um único projecto divino”. Assim, precisamos de estar muito atentos aos fenómenos negativos da Globalização e envidarmos todos os esforços no sentido de que esta, ao invés de produzir maiores desigualdades e exclusões, seja propiciadora de uma maior equidade e acesso de todos aos recursos necessários para uma vida digna segundos “os princípios da fraternidade e responsabilidade”. Para isso precisamos claramente de construir um “código ético comum” que possa dar origem a um novo contrato social.

3. É fundamental ter uma perspectiva ampla, esclarecida e articulada da pobreza reconhecendo que a esta não é apenas material e que existem hoje fenómenos gravíssimos de exclusão social que não podemos menosprezar.

4. O desenvolvimento e as mudanças de carácter demográfico não devem ser encarados como uma causa da pobreza. A população tem que ser encarada como uma riqueza e um capital social capaz de constituir precisamente uma das melhores formas de combater a pobreza. Também aqui cabe sublinhar o papel positivo do envelhecimento das populações e o importante papel que os idosos podem jogar nos processos de desenvolvimento. Os idosos têm que ser encarados e tratados como um capital e não como um encargo ou um peso para as nossas sociedades.

5. É fundamental ter em consideração que um dos principais eixos de intervenção passa pela capacidade de pôr em marcha mudanças culturais. O impacto de fenómenos tão preocupantes e causadores de situações de extrema pobreza e exclusão social (como é o caso da pandemia da SIDA) são disso o melhor exemplo.

6. Atacar estruturalmente o fenómeno da pobreza, no sentido de romper ciclos geracionais de pobreza, implica ter um enfoque muito especial sobre a pobreza das crianças colocando-as no centro de uma boa parte das estratégias de combate à pobreza.

7. Combater a pobreza significa fazer opções políticas claras nesse sentido. É assim fundamental que em termos de recursos económicos afectos a este combate se perceba que, por exemplo, investir em armamento impede por duas vias o combate à pobreza. Por um lado desvia importantes recursos financeiros para esta indústria, e, por outro lado, favorece uma cultura de conflito necessariamente impeditiva de uma cultura de paz e de coesão social;

8. O desenvolvimento, e particularmente o desenvolvimento local são a melhor via para a paz e, logo, para o combate à pobreza. Sociedades desenvolvidas de forma equilibrada económica e socialmente encontram-se muito menos expostas aos fenómenos de pobreza e garantem muito mais elevados níveis de coesão social. Lutar contra a pobreza é assim lutar pelo desenvolvimento, privilegiando a lógica comunitária, de proximidade, ou seja, de desenvolvimento local.

9. Em termos de comércio internacional necessitamos de rever toda a arquitectura em que o mesmo hoje se baseia e que apenas tem favorecido o crescimento das desigualdades e condenado à pobreza largas fatias da população mundial. É fundamental assegurar que todos os países e regiões possam ter acesso ao mercado mundial global evitando exclusões e desequilíbrios que mais não fazem do que produzir e reproduzir fortíssimos fenómenos de pobreza. A este nível importa sublinhar a tão actual questão dos mercados financeiros e a irresponsabilidade a que a gestão dos mesmos nos conduziu. É assim urgente que, de forma global, possamos garantir um quadro jurídico eficaz para a economia internacional.

10. É fundamental reconhecermos que na origem de muito insucesso no combate à pobreza estão políticas vincadamente assistencialistas e que em nada contribuem para a sua erradicação. É assim estratégico investir na formação das pessoas para que estas sejam capazes de, por iniciativa própria, resolver os seus problemas. Para isto é preciso “colocar os pobres em primeiro lugar” e permitir um verdadeiro e consequente envolvimento e activa participação das pessoas na definição das políticas que procuram responder aos seus problemas.

11. Finalmente, é absolutamente urgente reconhecer o valor e a vantagem das iniciativas económicas e sociais da sociedade civil e do poder local para o combate à pobreza. Sabemos hoje que as boas políticas de desenvolvimento são aquelas que permitem conjugar as incitativas do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil. Se o desenvolvimento e o combate à pobreza são fenómenos essencialmente culturais, a sociedade civil é um poderoso instrumento já que a cultura nasce precisamente nos diversos âmbitos em que a vida civil se desenvolve.

Assim, e na senda do que afirma Sua Santidade, também eu proponho que em 2009 aceitemos e ajamos em conformidade com este axioma: combater a pobreza é construir a paz.

Pe. Agostinho Jardim Moreira, Presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal