14.12.08

Crescimento dos precários pode levar a mais tensões sociais

São José Almeida, in Jornal Público

Movimentos de jovens trabalhadores consideram que já há uma maior contestação nas ruas. E que tudo passa pela actuação das autoridades


Perante a violência das imagens televisivas dos combates de rua entre as autoridades e os jovens na Grécia a pergunta é inevitável: será que tal estádio de tensão social pode ocorrer em Portugal? Não há uma resposta acabada para esta dúvida e as opiniões divergem, quer entre os sociólogos ouvidos pelo PÚBLICO, Elísio Estanque e Manuel Villaverde Cabral, quer entre os porta-vozes dos movimentos que representam os trabalhadores precários em Portugal.

A questão é saber se em Portugal é possível que, perante um rastilho de violência, possam explodir situações em que jovens se manifestem com violência nas ruas num tipo de contestação política típica dos movimentos internacionais antiglobalização, como aconteceu em Seattle, em Génova, nos subúrbios de Paris e agora em Atenas.

O antigo reitor da Universidade de Lisboa e professor doutorado do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e investigador do Instituto de Ciências Sociais, Manuel Villaverde Cabral, considera que não existem condições para tal em Portugal. E defende que o país não tem uma juventude organizada de forma supranacional que possa agir de acordo com este novo tipo de protestos, os quais, frisa, "têm sido erradamente identificados com o movimento anarquista na Grécia". "Trata-se de um movimento social novo", diz. O momento em que tal situação poderia ter ocorrido teria sido durante a presidência portuguesa da União Europeia, precisamente pelo enquadramento internacional, acrescenta o investigador.

Villaverde Cabral defende que, "apesar de parecer um paradoxo", o que se passa é que "a situação política grega é mais estável e segura e é isso que permite aparecer este tipo de insegurança". Ora, em Portugal "há insegurança política, os governos estão sempre a cair", era preciso "superar a insegurança estrutural, para poderem aparecer estes ataques conjunturais".

Também Carla Bolito, dos Intermitentes do Espectáculo, considera que não há risco de haver violência nas ruas, mas aponta uma razão diversa: "Os portugueses são pacíficos e existe também uma certa resignação."

Já João Pacheco, dos Precários Inflexíveis, André Levy, da ABIC, e Cristina Andrade, dos Ferve, consideram que, embora os seus movimentos não o defendam, a situação na sociedade portuguesa tem evoluído no sentido de que possa haver uma maior contestação nas ruas. André Levy considera que, "em termos de movimentos sociais, de manifestações e de greves", Portugal vive já essa tensão social. E João Pacheco acrescenta que "a falta de esperança pode degenerar em actos de violência se as autoridades passarem a agir de forma violenta". Cristina Andrade alerta mesmo para o facto de haver situações que causam níveis de indignação que podem funcionar como rastilho, como "a multa de cerca de 248 euros que começou a ser cobrada esta semana aos recibos verdes que não apresentaram a declaração anual de IVA de 2005 e 2006".

Igualmente da opinião de que há uma situação nova na sociedade portuguesa de descontentamento que pode levar à violência social é Elísio Estanque, professor doutorado do Departamento de Sociologia da Universidade de Coimbra. Considerando que "não se podem fazer previsões", sublinha que "há condições para isso em toda a Europa e em Portugal também". E apresenta três factores que potenciam a tensão social violenta e de confronto directo. Primeiro, Elísio Estanque salienta a "realidade objectiva do crescimento da precariedade, do desrespeito pelos direitos laborais", que transformou as relações laborais, as quais estão hoje longe do Estado social. Salienta ainda que "as relações precárias aumentam em sectores da classe média e até na função pública", acrescentando o facto de serem "os jovens com maior educação que têm difícil acesso ao mercado de trabalho".

Realidade e expectativas

Como segundo factor, Elísio Estanque sublinha aquilo a que a psicologia social aponta como "o desfasamento entre a realidade e as expectativas". E explica que, "consoante se vai subindo, as expectativas aumentam". Mas se, "em vez de se progredir, existir uma quebra, a expectativa não cai ao mesmo ritmo, e então fica o desespero, a desilusão, a frustração social propícia ao conflito social".

O terceiro factor apontado por Elísio Estanque é "o ressentimento geracional". Ou seja, "a geração mais nova não tem como horizonte o proteccionismo do Estado social e isso cria ressentimento social nessa geração". E alerta para o que pode acontecer. "Embora não sejam os jovens licenciados quem está pior, são eles que têm mais acesso à informação e mais conhecimento e que estão, por isso, mais politizados", adverte Elísio Estanque, concluindo: "Há a irritação, a frustração de quem investiu em si, estudou, e só pode ganhar 700 euros ou menos. Isto numa época em que as estruturas normais de diálogo social estão a perder representatividade. Os partidos e os sindicatos deviam estar atentos a isto."

Villaverde Cabral considera que ainda não se chegou a um nível em Portugal que possa repetir a Grécia.