18.12.08

Envolver os pobres na erradicação da pobreza

in Agência Ecclesia

A presidente cessante da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), Manuela Silva, considera que o seu mandato (2006-2008) ficou marcado pela prioridade dada às questões da pobreza.

“O trabalho no sentido da erradicação da pobreza figurou logo entre os primeiros objectivos e ao longo destes três anos foram tomadas diversas iniciativas”, refere em declarações ao Programa ECCLESIA.

Num primeiro momento, o objectivo foi conhecer “a profundidade” do fenómeno, dando lugar a algumas publicações (cnjp.ecclesia.pt) e desde logo surgiu a ideia de trazer para a reflexão da sociedade portuguesa “a noção de que a pobreza é uma questão de cidadania e de violação de direitos humanos”.

Nesse contexto, em 2007 decorreu a Conferência Nacional «Por um desenvolvimento global e solidário – um compromisso de cidadania», que para Manuela Silva foi “muito importante, porque não só mobilizou vários sectores da sociedade civil, como criou um clima de compromisso no sentido de dar passos para tornar mais sensível a opinião pública”.

Posteriormente surgiu a petição contra a Pobreza, com cerca de 23 mil assinaturas, entregue na Assembleia da República, dando origem a uma resolução que reconheceu a pobreza como violação dos direitos humanos.

A actual presidente da CNJP acredita que este compromisso está a ter consequências, “quer a nível governamental, o que é muito importante, quer a nível da sociedade civil”.

“Aqui a Igreja tem tido, ao longo dos tempos, um papel importante, sobretudo na dimensão mais assistencial, mas seria muito interessante que toda esta reflexão que se vem fazendo abrisse espaço a uma actuação mais inovadora”, aponta.

Para isso, assegura Manuela Silva, é fundamental que se dê “voz e poder aos próprios pobres”. Essa foi a intenção da audição de Novembro de 2008, «Dar voz aos pobres para erradicar a pobreza», com a qual, de alguma maneira, se encerrou este ciclo de acção da CNJP.

“Penso que ficou claro que sendo a pobreza um fenómeno tão complexo, que assume expressões ou rostos tão diferentes, as medidas públicas - que, por definição, têm de ter um carácter geral e abrangente - correm o risco de ser menos eficientes se os próprios pobres forem envolvidos na implementação dessas medidas”, aponta esta responsável.

A actual presidente da CNJP lembra que aos pobres assiste o direito de “se pronunciarem sobre as medidas que lhes são destinadas e as carências que continuam por cobrir”.

Um passo seguinte, que Manuel Silva julga ser vocação das Instituições de Solidariedade, passa pela “organização dos pobres, a consciencialização dos seus direitos como cidadãos e cidadãs e a sua capacitação para fazer ouvir a sua voz”.

Esta medida “é tanto mais indispensável porquanto estamos a viver uma fase de mutação societal, de que a crise financeira e económica são sinais muito poderosos, há algo que é preciso construir quanto ao futuro, há uma democracia à qual é necessário dar uma base de sustentabilidade”.

18% da população vive abaixo do que se define como o limiar da pobreza. Para a CNJP esta situação não é uma fatalidade, tanto “pelo diagnóstico dos recursos que existem na nossa sociedade”, recusando um discurso miserabilista, como pela existência de “instrumentos disponíveis” para a repartição de rendimentos e a manutenção da coesão social.

Manuela Silva destaca em particular a questão do “acesso ao mundo do trabalho”, frisando que “ainda prevalece na sociedade portuguesa uma ideia, um preconceito, de que os pobres são pobres porque querem”.

Do total dos pobres, 38% estão a trabalhar, a que se somam cerca de 13% de pobres em situação de desemprego. “Um dos problemas que está a causar a pobreza é o trabalho não ser estável e não ser remunerado em condições que permitam dispor de um rendimento que seja suficiente para ultrapassar o limiar da pobreza”, aponta a economista.

A CNJP terá como presidente para o próximo triénio (2009-2011) o sociólogo Alfredo Bruto da Costa, até ao momento vice-presidente deste organismo laical da Conferência Episcopal Portuguesa.