30.12.08

Estudar na terceira idade e no ensino oficial universitário só é possível no Porto

Cristiana Maia, in Jornal Público

O único curso oficial de estudos universitários exclusivo para seniores no país funciona no Porto. É dos distritos com mais instituições a leccionar cursos para idosos


Levantou-se às sete da manhã durante 50 anos. Um dia, chegou ao fim o mandato que cumpria na administração de uma empresa. Finalmente, passou a ter disponibilidade para dormir um pouco mais. Mas não queria. Quinze dias depois de se ter descoberto, pela primeira vez, ocioso, decidiu inscrever-se num curso de cerâmica na Universidade Católica, no Porto. "É que, em casa, ia sujar muito", diz alegremente o engenheiro José Bernardo, que admite até "ter jeito para a coisa".

Hoje, é aluno do Programa de Estudos Universitário para Seniores (PEUS), ministrado pela Universidade do Porto (UP), e passa horas nas bibliotecas públicas em investigações para a monografia que, voluntariamente, se propôs fazer. Quer perceber porque é que a dimensão dos lotes das casas do Porto é de seis metros e meio e "não de quatro ou sete". Quer dizer, saber até sabe. Como engenheiro que é, "fazia meia dúzia de cálculos e provava que tudo se prende com a resistência dos materiais". Não quer dizer directamente que a vontade de reactualizar os conhecimentos é o que o mantém vivo.

O PEUS do Porto nasceu em 2006, um pouco por influência do modelo de formação para seniores vigente na Europa. É o único programa de estudos universitários existente no país para a população sénior e é leccionado na Faculdade de Letras da (FLUP), porque surgiu por iniciativa de Graça Pinto, psicolinguísta e professora na instituição. As regras de acesso são poucas mas nem por isso são acessíveis a todos aqueles que querem manter-se ocupados na terceira fase da vida. "Ter 55 anos, pagar a propina em vigor na UP e ter, no mínimo, uma licenciatura" é o exigido, explica Graça Pinto. É, no fundo, uma espécie de "pós-graduação", com formalidades que se prendem com as condições de acesso, mas com informalidades que não distanciam assim tanto o PEUS das Universidades de Terceira Idade (UTI) que existem um pouco por todo o país (ver caixa). É um programa multidisciplinar, composto por dois anos de estudos teóricos. São dois semestres e seis disciplinas: três obrigatórias e outras tantas opcionais. O módulo central são os Estudos Portuenses. Fala-se da história e geografia da cidade. Visitam-se os monumentos e vêem-se com outros olhos os edifícios característicos. O 3.º ano é prático e facultativo. É o ano da monografia.
Nos corredores circulares da FLUP, os alunos "de cabelos brancos" misturam-se com os mais jovens às terças, quartas e quintas-feiras. A coexistência é quase pacífica: "Quando há contacto, é agradável", diz José Bernardo. "Só que, normalmente, não há."

José Bernardo é "finalista". Entrou "com a primeira fornada", graceja Graça Pinto. O convívio e os laços de amizade são o que mais agrada no curso a José Bernardo. "Nós, os alunos, tratamo-nos todos por tu. Não há cá engenheiros nem doutores. É exactamente como no liceu", atira, e não tem vergonha de dizer que também fica feliz quando o professor não vem dar aula: "Até me manifesto quando assim é." No fundo, é "como se tivesse 15 anos". Só que, hoje, vê as coisas com outros olhos. Até a Ilíada, que estudou no antigo 5.º ano e da qual "não percebeu nada", parece agora fazer todo o sentido na disciplina de Linguística.

Decidiu lançar-se de cabeça na redacção da monografia. Esta fase do curso é opcional e apenas cinco alunos decidiram fazê-la. O 3.º ano do PEUS é o único que, de alguma forma, põe os alunos à prova. Não é tanto uma avaliação, mas, como explica Graça Pinto, uma forma de dar expressão a temas que os alunos "andam a tricotar" há anos. Os próprios alunos não querem ser avaliados "nem estão cá para isso", diz a professora. Já foram postos à prova demasiadas vezes durante a vida.