19.12.08

A árvore de Natal humana que solta rios de lágrimas

Cristano Pereira, in Jornal de Notícias

Em dias de Natal, um performer britânico tentaincutir uma reflexão sobre aqueles que se sentem sós


Desde a manhã desta quinta-feira que um homem permanece numa rua de Lisboa vestido de árvore de Natal e a chorar convulsivamente para toda a gente que passa. O povo estranha e fica confuso. Ele diz que isto é um convite à reflexão sobre a solidão. Veja o vídeo aqui.

É uma figura que tem tanto de sinistro como de cómico: um homem vestido como se fosse uma árvore de Natal - onde não faltam os ramos, as bolas e as luzinhas acesas que pisca-piscam - está plantado (literalmente) no passeio da rua Poço dos Negros, em Lisboa, enquanto choraminga permanentemente. Mas que raio é isto?

Trata-se de uma intervenção artística protagonizada por Mark McGowan, um performer britânico com um currículo considerável de acções de protesto nas ruas do Reino Unido. Agora, decidiu vir a Lisboa para levar a cabo "The crying human Christmas tree" ("A árvore de Natal humana que chora"). A performance inscreveu-se na programação da "Man Power", uma iniciativa do colectivo Cosmicmegabrain que agitou durante o dia e a noite de ontem a Rua do Poço dos Negros com uma série de intervenções e instalações artísticas.

No caso concreto de Mark McGowan, o artista pretende ali ficar até às 10 horas de domingo. E a que propósito?

"Nesta época de Natal, há muitas pessoas tristes por não terem família nem amigos", disse ao JN. "Eu procuro que as pessoas reflictam um bocado sobre o que se passa na vida de todos aqueles que se sentem sós e de que forma é que eventualmente as poderão ajudar", prosseguiu o homem-árvore.

A sua presença presta-se à ambiguidade. Os trausentes não sabem bem como reagir. "As pessoas mais velhas que por aqui passam parece que ficam desconfiadas", diz-nos McGowan, já habituado a que alguns adultos desviem "o olhar para o chão".

Com a criançada, a história é diferente: "Os mais novos chegam junto de mim, riem-se e metem conversa", conta. "Mas quando eu começo a chorar eles calam-se imediatamente e ficam bastante confusos".

O mesmo se passa com os carros que passam na rua e param para melhor observar semelhante figura: "Todas as pessoas riem e brincam até eu começar a chorar - depois ficam sem saber o que dizer ou pensar".

A própria polícia que por ele já passou lançou-lhe alguns olhares de espanto. Pelos vistos, é exactamente esse o objectivo do artista: semear o assombro naqueles que vislumbram alguém vestido de árvore de Natal e que chora nestes dias de festa que ele considera ser "uma altura que muitas pessoas se sentem pressionadas a serem felizes". "As pessoas", prossegue, "concentram-se demasiado na sua felicidade e na felicidade dos outros mas esta altura também devia servir para reflectir sobre a infelicidade".

O performer conta com um currículo recheado de intervenções pouco ou nada convencionais e que sempre visaram agitar as consciências. Há cerca de duas semanas, Mark McGowan realizou uma performance que visou recordar a morte de Jean Charles de Menezes, o imigrante brasileiro que foi morto pelas autoridades britânicas na estação de metro de Stockwell, depois de ter sido confundido com um terrorista. "Existe uma certa apatia em relação ao que aconteceu a esse homem inocente", afirmou na altura.