25.1.09

Os migrantes que ninguém quer

in Diário de Notícias

Birmânia. Uma etnia sem direitos


Foi-lhes retirada a nacionalidade, confiscadas as terras, negados direitos políticos, restringida a liberdade de movimento. Vivem confinados na região de Arakan, no Norte da Birmânia, fronteiriça do Bangladesh, ou, em alternativa, em campo de refugiados neste país. Daqui partem à procura de melhor sorte (ou do pior dos destinos) recorrendo às redes de migração clandestina.

São os rohingya, minoria mu- çulmana a que a junta militar birmanesa retirou a nacionalidade em 1982, hoje tentada pela odisseia da travessia marítima entre as costas do Bangladesh e a Malásia ou a Tailândia.

Estes boat people do século XXI protagonizam a tragédia de todos os ilegais: desprezados nas regiões de origem, perseguidos nos países de destino, explorados pelas mafias do tráfico humano, não encontram lugar onde re- começar. A não ser, pontualmente, no Paquistão e Arábia Saudita.

Esta etnia birmanesa, mas afim da população do outro lado da fronteira em termos de idioma, cultura e religião, tem protagonizado vagas migratórias para o Bangladesh desde o final dos anos 70. Aqui vivem acantonados em condições degradantes em campos de refugiados, toleradas pelo Governo de Daca, até conseguirem dinheiro para a etapa seguinte - e a mais perigosa. Números de 2008 indicam que oito mil a 13 mil realizaram a travessia marítima do Bangladesh para a Tailândia, um dos destinos privilegiados pelos rohingyas.

Mas aquele país tem adoptado uma política cada vez mais dura face aos rohingyas, de que é exemplo a decisão de devolver ao oceano Índico, na passada semana, cerca de mil ilegais desta etnia chegados às suas costas. O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) denunciou esta situação, acusando o Governo tailandês de ter colocado os migrantes em barcos sem motor, com poucos alimentos e água, forma indirecta de os condenar à morte. Testemunhos de sobreviventes confirmaram as acusações do ACNUR.

Para outros rohingyas, a viagem pode terminar mesmo na morte, como esteve quase a suceder em Março de 2008, quando uma frágil e sobrelotada embarcação foi interceptada pela Marinha de Guerra do Sri Lanka. A bordo estavam mais de 70 pessoas, que andavam à deriva havia três semanas no oceano Índico, devido a uma avaria no motor do barco; outras 20 tinham morrido de fome e sede. A ONG Projecto Arakan, que trabalha com os rohingya, identifica ainda um outro risco - igualmente mortal. Para dissuadir os ilegais, há registo de as Marinhas da Tailândia e da Malásia, segundo alguns relatos, abrirem fogo sobre as embarcações para as afundar. Prática também seguida pela Marinha birmanesa.

Os rohingyas pagam o equivalente a 200 euros por uma viagem até ao sul da Tailândia (região predominantemente muçulmana) ou 500 a 700 euros (uma fortuna para os padrões de vida locais) até à Malásia. Se nada correr mal, a travessia dura uma semana. Mas, além de poderem ser devolvidos ao mar, como se viu, os rohingyas correm o risco de, uma vez detidos, serem repatriados para uma região isolada na fronteira com a Birmânia controlada pelas mafias do tráfico humano.

Proibidos pelos birmaneses de passarem para o lado de lá e impedidos de se movimentarem na Tailândia, os ilegais vivem como reféns dos traficantes. Estes exigem-lhes mais dinheiro para puderem abandonarem o cativeiro; não o conseguindo reunir, muitos acabam por ser vendidos para trabalho escravo num claro exemplo de um grupo étnico sem direitos, nem dentro nem fora do seu país.