20.1.09

Violência infantil é maior entre as famílias reconstruídas

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

"A violência infantil em ambiente familiar é proporcionalmente mais frequente em famílias reconstruídas do que em famílias biológicas". Esta é, pelo menos, uma das conclusões de um estudo de uma equipa de investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

Coordenado pelo investigador Paulo Gama Mota, o trabalho de Dora Simões e Eugénia Loureiro baseia-se numa pequena amostra: uma centena de menores de 16 anos que por maus tratos intrafamiliares, entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2003, foram objecto de perícia no Instituto de Medicina Legal em Coimbra.

O estudo procurou testar "modelos evolutivos para explicar algumas características dos maus tratos infantis em Portugal". Não foi tão longe quanto se propunha por esbarrar com "a natureza confidencial dos processos e, em particular, com a burocracia no acesso aos dados".

Para caracterizar e contextualizar os maus tratos, a equipa atendeu a quatro domínios: grupo doméstico de pertença da criança, perfil do agressor, perfil da criança, gravidade do mau trato. Isto permitiu-lhes, por exemplo, perceber se havia alguma relação de parentesco entre a criança e o agressor e se o agressor era portador de algum handicap físico ou mental ou consumidor de alguma substância ilícita.

A maior parte das crianças analisadas tinha entre dez e 16 anos (62 por cento). E fora vítima de fracturas, queimaduras, abuso sexual, rejeição ou abandono.
O abuso sexual representava "40 por cento" dos casos objecto de perícia. Um dado que vai ao encontro de estudos que apontam para um aumento da sensibilidade social frente a este género de crime - a atitude nota-se, em todo o país, desde o rebentar do escândalo que culminou no processo Casa Pia.

Os investigadores depararam-se com uma predominância de maus tratos dirigidos a raparigas: 67 por cento. Esta sobrerrepresentação não se constatava no mau trato físico, mas era bastante acentuada no mau trato sexual (três vezes mais).

Compararam as crianças que vivem com os pais biológicos com as crianças que vivem com um dos progenitores e com um padrasto ou madrasta. Verificaram que, na Região Centro, a proporção de famílias reconstruídas é de uma para dez; na violência infantil era de uma para três. E relacionaram este elemento com a "ausência de laços de vinculação estabelecidos desde o nascimento".

"Espera-se que [a vinculação] seja maior com descendentes biológicos", comenta Paulo Gama Mota, numa curta conversa telefónica com o PÚBLICO. "É evidente que a ausência de vinculação biológica não impede o desenvolvimento de vinculação afectiva".
Na opinião de Paulo Gama Mota, a dificuldade de acesso a dados oficiais não é de somenos importância. Impunha-se "fazer cruzamento de dados para conhecer melhor" a violência infantil em Portugal. E delinear formas de intervir mais eficazes numa realidade com uma dimensão que o surpreende.

67 %
dos casos analisados pelo Instituto de Medicina Legal de Coimbra em 2002 e 2003 dizem respeito a meninas.