23.3.09

O Papa viu a pobreza angolana no caminho para a missa que juntou um milhão

Ana Isabel Costa, Luanda, in Jornal Público

Bento XVI percorreu uma das áreas mais pobres da periferia de Luanda no percurso para a esplanada da Cimangola, onde decorreu a missa que reuniu a maior multidão desta viagem


Ao terceiro dia de visita a Angola, o Papa mudou de cenário. Deixou o centro da capital para ir aos arredores. E para ver, através da viatura envidraçada, uma realidade bem diferente da dos dias anteriores.

Os contrastes sociais que caracterizam a sociedade angolana estão bem patentes ao longo dos 15 quilómetros que separam a Nunciatura Apostólica, onde Bento XVI ficou alojado em Luanda, e a Cimangola (Cimenteira Nacional de Angola), ao lado da qual foi celebrada a missa campal.

O conhecido mercado Roque Santeiro, onde se vende quase tudo, e os enormes armazéns que rodeiam o porto de Luanda estavam encerrados. Nas ruas, milhares de pessoas caminhavam sob um sol de 30 graus logo às seis da manhã. As crianças dormiam ainda penduradas às costas das mães. Nas mãos, homens e mulheres levavam o farnel para enfrentar horas num descampado sem sombras - a não ser as tendas de socorro e o altar em tons de rosa e decorado de flores, onde o Papa celebrou a principal eucaristia desta passagem por Angola.

Musseques e um resort

Antes de chegar à esplanada da Cimangola, Bento XVI percorreu uma das áreas mais pobres da periferia. Ali moram os "que vivem abaixo do limiar da pobreza" evocados no discurso que fez quando pisou solo angolano. Se restassem dúvidas sobre a vida de 70 por cento da população, o Papa pôde verificar que ainda há muito a fazer para dignificar os musseques, bairros a que muitos chamam lar, mas onde faltam as comodidades da palavra.

Mas eis que, depois de um morro onde crianças vasculham o lixo, se descobre um resort de luxo guardado por seguranças e muros altos. Tão altos que quem está dentro não vê a miséria em volta. Mas não tão inacessíveis que não se vislumbre no interior uma vegetação luxuriante, que choca com a aridez e a imundice a que estão condenados os habitantes da zona, sem água nem saneamento.

Talvez o Papa tivesse tais imagens em mente quando, à homilia, pediu de novo ao povo de Angola para não ter medo de quem vê os outros mais como instrumentos para usar do que como pessoas para amar.

As primeiras palavras evocaram as jovens que morreram sábado, ao entrar para os Coqueiros. "Quero incluir nesta eucaristia um sufrágio particular pelos jovens", disse, para lamentar que as mortes tenham ocorrido quando as jovens iam ver Bento XVI.

O Papa exprimiu pesar às famílias e desejou melhoras aos feridos, cerca de 40, que resultaram do esmagamento na entrada do Estádio dos Coqueiros.

Se foi difícil assegurar a ordem pública com 30 mil pessoas, sábado, a tarefa foi mais complicada quando se tratou de garantir a integridade física de um milhão de pessoas - números na Rádio Nacional - concentradas ontem no descampado sob sol tórrido.

Houve momentos em que o tumulto da multidão esteve por um fio. Apertados por grades e por um forte cordão de segurança, os peregrinos forçaram a entrada num espaço reservado. Com o reforço policial imediato, tudo se acalmou. O helicóptero que anunciava a chegada iminente do Papa ajudou.

A tranquilidade voltou a ser interrompida quando alguns jovens tentaram derrubar as grades de segurança, porque insistiam em ser abençoados pelo Papa. A polícia travou os ímpetos aplicando algumas "tunda" (bofetadas).

No final, o saldo dos socorristas destacados para o local apenas referia desmaios por desidratação, hipoglicemia e hipertensão.