23.4.09

Crise pode custar 180 mil desempregados a Portugal

Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Uma retoma mundial ainda não está à vista, avisa o FMI. Portugal acompanha o resto da Europa e bate máximos do desemprego


Alguns indicadores positivos e declarações mais optimistas de banqueiros e políticos nos Estados Unidos tinham aumentado nas últimas semanas a esperança de uma retoma rápida da economia mundial, mas ontem o FMI veio avisar que a crise global vai ser severa e a recuperação muito lenta, arrastando Portugal para dois anos seguidos de recessão e uma subida do desemprego para máximos históricos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) colocou ontem, nas sua Previsões de Primavera, a economia portuguesa a contrair-se 4,1 por cento durante este ano (mais do que os 3,5 por cento estimados na semana passada pelo Banco de Portugal) e adiou a ocorrência de uma recuperação para lá do próximo ano, já que para 2010 a previsão é de uma nova contracção, desta vez de 0,5 por cento.

E relativamente ao mercado de trabalho (para o qual o Banco de Portugal não apresenta previsões) o FMI não tem dúvidas de que o impacto do recuo na actividade vai ser muito negativo, prevendo uma subida da taxa de desemprego de 7,8 por cento em 2008 (os números oficiais do INE são de 7,6 por cento) para 9,6 em 2009 e 11 por cento em 2010. A concretizar--se esta previsão, é batido o máximo histórico do último meio século (8,7 por cento em 1985) e passam a existir, em Portugal, aproximadamente mais 180 mil desempregados, apenas no espaço de dois anos (assumindo a hipótese conservadora de manutenção da população activa). Ou seja, caso estas previsões se concretizem, Portugal ultrapassará os 600 mil desempregados.

Zona euro pior que os EUA


Nesta crise histórica, Portugal acompanha, quase passo a passo, aquilo que acontece no resto da zona euro e é precisamente nessa sincronia que está o problema. É que, segundo o relatório ontem publicado pelo FMI, apesar da presente crise se ter iniciado nos EUA, é na Europa que a recessão vai ser mais profunda e prolongada.
A zona euro vai contrair-se 4,2 por cento em 2009 e 0,4 por cento em 2010, quase o mesmo que Portugal. Espanha, apesar da quebra acentuada do seu sector imobiliário, consegue melhor este ano (recuo de três por cento), mas pode ver o desemprego atingir em 2010 quase um quinto da sua população activa. Na Alemanha, a diminuição do PIB este ano poderá ser de 5,6 por cento.

Nos EUA o cenário é ligeiramente mais positivo, mas uma retoma a partir do final deste ano, como previu o presidente da Reserva Federal, parece excessivamente optimista. O FMI prevê uma contracção de 2,8 por cento este ano e uma estagnação para o total de 2010.

Feitas as contas, com os principais países emergentes também a abrandar, a economia mundial recuará, segundo estas previsões, 1,3 por cento em 2009, voltando a um crescimento positivo de 1,9 por cento em 2010. Um resultado ainda muito fraco, se se tiver em conta que um valor abaixo de três por cento é normalmente classificado como uma recessão mundial.

FMI pede mais ajudas

As razões dadas pelo FMI para prever uma saída mais lenta da crise estão relacionadas com os problemas persistentes no sistema financeiro e com a falta de audácia das autoridades.

"Uma preocupação-chave é que as políticas seguidas possam ser insuficientes para travar o feedback negativo entre a deterioração das condições financeiras e o enfraquecimento das economias, em face do apoio limitado das opiniões públicas relativamente à adopção de políticas", afirma o relatório.

O Fundo defende que os planos de estímulo económico providenciados pelos Estados se devem prolongar ou mesmo ser reforçados em 2010, apela aos Governos que procedam de forma mais eficaz à limpeza do sector financeiro e apela a uma descida de taxas para próximo de zero, um recado que se dirige em particular ao Banco Central Europeu.
Os Governos europeus são também alvo de críticas por parte do FMI pelo facto de as respostas à crise não serem suficientemente fortes e coordenadas. Neste capítulo, de acordo com o FMI, Portugal surge entre os países em que os estímulos dados pelo Estado à economia são "muito reduzidos ou inexistentes", devido ao reduzido espaço de manobra orçamental existente.

Como forma de incentivar os Governos e os bancos centrais a agir, o FMI diz ainda que o desempenho da economia mundial pode vir a superar o cenário-base agora apresentado se as autoridades forem mais "audazes". Nessa hipótese, disse ontem Olivier Blanchard, o economista-chefe do FMI, a retoma pode iniciar-se já a partir do final deste ano.

Mas, ao mesmo tempo, o relatório dá conta de preocupações em relação a uma série de outros factores (ver caixa na página ao lado) que, se acabarem por ter um efeito mais negativo, ainda podem agravar mais a recessão e colocar, por exemplo, a zona euro a recuar a uma taxa de seis por cento.

De qualquer forma, seja qual for a data de início da retoma, um "regresso à normalidade" vai demorar muito mais tempo, avisou Blanchard. No relatório é explicado que durante os próximos cinco anos se irá continuar a assistir a um processo de desalavancagem do sector financeiro, a dificuldades dos Governos em consolidar as contas públicas que ficaram mais deficitárias e a uma tentativa de corrigir os desequilíbrios internacionais que ainda persistem.

Ou seja, depois de dois anos muito negativos, o Mundo - e necessariamente Portugal - podem enfrentar um período longo de crescimento lento.