25.4.09

Mais anos na escola pode impor nova lei laboral

Clara Viana, in Jornal Público

Faz sentido ser obrigado a estar na escola até aos 18 anos, mas manter a idade de trabalho nos 16? Respostas a uma pergunta que surpreendeu


A proposta de lei que alarga a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, aprovada esta semana pelo Governo, torna "obsoletas" várias disposições contidas na legislação laboral e poderá mesmo deixar sem fundamento a idade mínima de admissão ao trabalho que ali se encontra fixada, afirmam economistas e especialistas em Direito do Trabalho ouvidos pelo PÚBLICO. O Ministério do Trabalho não partilha esta leitura. A resposta chegou por via da assessora de imprensa Manuela Santos: no que respeita à idade de admissão, o actual Código do Trabalho "não carece de nenhuma alteração".

"Nenhum dos países da Europa que alargaram a escolaridade obrigatória alterou a idade mínima de admissão ao trabalho", diz Manuela Santos. É sobretudo devido a esta prática que o Ministério do Trabalho afasta a necessidade de proceder a alterações por cá, frisa a assessora. "O ponto único e essencial é que o jovem continue a sua formação. É isso que se tem de assegurar", acrescentou.

Esta é uma das exigências já contempladas no Código de Trabalho para a admissão de menores que tenham idade inferior a 16 anos, mas já tenham concluído a escolaridade obrigatória - hipótese que agora se tornará impossível - ou para aqueles que tenham pelo menos 16 anos e não tenham terminado a escola, que é a situação em que estarão todos eles a partir de 2013. Este é o ano em que os primeiros alunos abrangidos pelo alargamento entrarão no secundário. Em ambos os casos, estes menores só podem celebrar contratos de trabalho desde que frequentem "modalidades de educação ou formação que confiram, consoante o caso, a escolaridade obrigatória, qualificação profissional ou ambas, nomeadamente em Centros Novas Oportunidades".

Por enquanto são medidas para os casos que constituem "excepção" à regra em vigor, sustenta Glória Leitão, especialista de Direito laboral. Sendo que, segundo ela, a regra em vigor para a entrada no mercado de trabalho é "cumulativa": 16 anos e escolaridade obrigatória concluída. O alargamento desta até aos 18 anos não só tornará impossíveis algumas das situações previstas, como transformará as "excepções em regra". "Vão ter que ser feitos ajustes no Código de Trabalho sob pena de se produzirem efeitos perversos", defende.

Dos 14 aos 16 anos

Para Pedro Martins, também especialista de Direito do Trabalho, que acompanhou revisões anteriores do Código do Trabalho, "o portão que exclui o menor" do mercado de trabalho é a idade (16 anos mínimo) e não a escolaridade obrigatória. Ele receia que atrasar de novo a idade de trabalho poderá funcionar como "uma dupla exclusão para os jovens que também têm dificuldades na escola", mas lembra que a tendência nas últimas décadas tem sido a de tentar conjugar ambos os parâmetros, aproximando o limite etário com a idade normal de conclusão dos estudos. É este também o espírito de uma Convenção da Organização Internacional do Trabalho, subscrita por Portugal, e de uma directiva comunitária. Em ambas se consigna que "a idade mínima de admissão ao trabalho não deve ser inferior à idade em que cessa a escolaridade obrigatória, e nunca inferior a 15 anos".

Até agora, em Portugal, desde o final da década de 60, a primeira tem sido superior à segunda. Era de 14 anos quando o tempo obrigatório na escola se ficava pelos 12 (6.º ano), passou para 15 durante um período transitório na sequência da aprovação da lei de Bases do Sistema Educativo que, em 1986, alargou a permanência nas escolas até àquela idade e passou para 16 quando esta medida entrou plenamente em vigor, na década de 90. Glória Rebelo, investigadora na área do Trabalho no Centro Dinâmia (ISCTE), não tem dúvidas de que a proposta de lei aprovada esta semana irá implicar de novo alterações no Código do Trabalho. E só vê duas hipóteses; ou acabam as referências à escolaridade obrigatória ou estende-se a idade mínima de trabalho para os 18 anos. "Penso que esta alteração venha a ser talvez a mais provável." Ela aplaude: "Tudo o que seja feito para valorizar a escolaridade é bom para o país."
Também o economista João Ferreira do Amaral, membro do Conselho Económico e Social, considera esta alteração provável e alerta: "É preciso garantir que se trava o abandono escolar. E com 16-18 anos, como já estão em idade de trabalhar, isso pode ser mais difícil." Será uma medida adequada a tempos de crise? "Não se deve perder tempo em termos de qualificação e, numa situação de desemprego, até facilita prolongarem-se mais tempo na escola".