18.5.09

Ciganos processam juíza por sentença "difamatória"

António Soares, in Jornal de Notícias

Queixa-crime na PGR também fala em eventual discriminação racial e deu origem a processo


A queixa-crime foi apresentada directamente na Procuradoria Geral da República e o respectivo processo corre termos no Tribunal da Relação de Guimarães, uma vez que se trata de uma juíza de primeira instância.

Dois ciganos condenados por uma juíza do Tribunal de Felgueiras, em Julho do ano passado, numa sentença polémica pelos termos usados, processaram a magistrada por difamação e eventual discriminação racial. Há mais queixas na calha.

Os dois queixosos já foram inquiridos e a magistrada, Ana Gabriela Freitas, pode vir a ser constituída arguida.

Em causa está uma sentença que condenou cinco homens de etnia cigana a penas que oscilaram entre o pagamento de multas e um ano e meio de prisão efectiva, por agressão a elementos da GNR que pretendiam pôr termo a uma "festa com tiros", num bairro social da cidade de Felgueiras.

Mas foram as expressões usadas pela magistrada no texto da sentença, referindo-se aos condenados, que causaram mais controvérsia. Por exemplo, entre várias outras: "(...) são pessoas malvistas, socialmente marginais, traiçoeiras, integralmente subsídio-dependentes de um Estado (ao nível do RSI, da habitação social e dos subsídios às extensas proles) e a quem 'pagam' desobedecendo e atentando contra a integridade física e moral dos seus agentes e obstaculizando às suas acções em prol da ordem, sossego e tranquilidade públicas".

Adolfo Monteiro, um dos visados, disse ao JN que está "disposto a ir até onde for preciso para obter Justiça". "Fiquei muito chocado e ofendido", adianta.

A magistrada nunca se pronunciou sobre o caso mas, na altura, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses veio a público referir que as expressões em causa tinham sido "descontextualizadas" e que não eram da autoria da juíza, "mas apenas reprodução de depoimentos de testemunhas e de relatórios sociais do processo".

O JN sabe que, em pelo menos dois casos, os relatórios sociais são até positivos para os arguidos e recomendam, em caso de condenação, medidas pedagógicas e não privativas da liberdade. Na queixa-crime apresentada na PGR, a que o JN teve acesso, os irmãos Adolfo e Paulo Monteiro consideram que, na referida sentença, a juíza expressou "diversas considerações e afirmações sobre os participados e seu grupo étnico, as quais tinham e têm carácter injurioso, difamatório e ofensivo". Além disso, refere ainda a queixa, as afirmações "(...) não têm correspondência com a verdade, nem reproduzem sequer a realidade, nomeadamente do que foi dito pelas testemunhas".

Pedro Miguel Carvalho, o advogado dos queixosos, recusa comentar o processo-crime, mas lamenta, "conforme resulta de várias reacções públicas, especialmente na blogoesfera", que "ainda existam muitos portugueses que defendam e elogiem comportamentos racistas e xenófobos".