25.5.09

Desemprego e as "novas oportunidades"

Comentário de Aurora Teixeira, investigadora, in Jornal de Notícias

A década de 2000 parece ter-se revelado como uma década perdida no que respeita à tão apregoada (e necessária) convergência real de Portugal face aos restantes países da União Europeia - exíguas taxas de crescimento do produto em termos reais e crescimento exponencial da taxa de desemprego.

Não obstante, "há males que vêm para o bem". Isto é, mesmo a partir de situações aparentemente negativas da vida, todos temos a capacidade de recuperar, reorganizar, derivando daqui um saldo positivo.

Os últimos dados das Estatísticas do Emprego do INE (1º trimestre de 2009) são particularmente indiciadoras que tal assim pode acontecer no caso português se os jovens, famílias e governo 'trabalharem', em conjunto, para isso. Os números revelam que quem mais sofreu com a diminuição do emprego e aumento do desemprego foram os jovens e os indivíduos com baixos níveis de escolaridade. Em contrapartida, indivíduos com habilitações mais elevadas observaram uma melhoria na respectiva situação. O investimento em capital humano representou assim um 'escudo' efectivo face ao desemprego (uma taxa de desemprego de 5.9% para indivíduos com ensino superior, muito aquém dos 9.5% para os indivíduos com 9 e menos anos de escolaridade). Não obstante toda a evidência sobre quão elevado é o retorno ao investimento em capital humano em Portugal - dados da OCDE revelam que, em Portugal, indivíduos com baixa escolaridade ganham, em média, cerca de um terço do rendimento auferido pelos indivíduos com níveis de escolaridade mais elevados -, em 2009, o grosso (75%) da população em idade activa possui baixas habilitações.

Não é nova esta ideia de que o atraso de Portugal foi, é e, infelizmente, continuará a ser por bastantes mais anos, o pobre e deficiente investimento em capital humano. A responsabilidade desta verdadeira 'armadilha social' reside em todos nós: indíviduos, famílias e governo. Assim, aos jovens deve ser exigido que trabalhem arduamente nos seus estudos, fazendo juz ao esforço que as suas famílias realizam no dia a dia para sustentarem e potenciarem a melhoria do seu capital humano e responsabilizando-os pelas suas acções (ou falta delas). A ideia de que estudar é um passatempo, que não pode exigir sacrifícios, deve ser completamente afastada. Tal como um comum investidor, os pais/educadores podem e devem exigir aos seus educandos 'contas' sobre o retorno dos seus investimentos. As famílias portuguesas, por seu lado, devem evitar a 'miopia'e alienação, refreando os seus ímpetos consumistas e re-organizando e re-direccionando os seus rendimentos para a educação. Devem ser ainda actores activos e exigentes nesta àrea, procurando contribuir e complementar os trabalhos dos professores e da Escola, evitando a comum (e mais fácil) posição de que 'tudo é mau', de que a 'culpa' do educando não gostar/estar desmotivado/ter mau desempenho nas actividades escolares é da Escola/dos professores. Não em raros casos, o mal está entre portas: falta de hábitos de trabalho e estudo e excessivo laxismo, permissividade e desresponsabilização. Por fim, do Governo espera-se uma política de educação de qualidade e exigente, preocupada mais com os resultados de aprendizagem do que com as 'estatísticas', e um apoio efectivo ao investimento em capital humano, alargando a actual (muito modesta) base de incidência de bolsas de estudo, quer ao nível do ensino secundário, quer do ensino superior. A recente medida anunciada pelo executivo de "instituir bolsas de estudo para os jovens carenciados entre 15 e 18 anos", à falta de definição do que se entende por 'carenciados', correrá o risco de se tornar uma medida muito pouco efectiva, envolvendo 'investimentos' irrisórios, sobretudo se comparados com os investimentos 'em betão' previstos para Portugal.

Se nada fizermos, as 'novas oportunidades' que emergem da crise - desemprego jovem e consequente estímulo à permanência e re-ingresso no sistema de ensino - continuarão a passar-nos ao lado, reflectindo a perigosa e insustentável primazia do 'betão' sobre a 'massa cinzenta'.