29.6.09

Casamento cigano

por Sónia Simões, Diário de Notícias

Festa já não dura 3 dias mas noiva tem de ser virgem


Anciãs têm de confirmar virgindade e só depois os noivos são atirados ao ar.

Os dois miúdos de cabelo enterrado no pescoço não têm mais de seis anos, mas abrem garrafas de cerveja com a astúcia de adultos. Usam cordões de prata, vestem camisas floridas e motivados pela energia da idade e do álcool correm entre os cerca de 300 convidados do casamento cigano no pavilhão, perto do Cartaxo.

Os tempos são outros. A cerimónia já não se prolonga por três dias. Mas há regras que se mantêm. Às 21.00, a noiva Samara Camilo, de 17 anos, já usou três dos cinco vestidos - mais o de noiva - que era previsto vestir no dia que lhe foi prometido, ainda criança. "Normalmente as famílias prometem as filhas aos filhos dos amigos. Quando crescemos, vemos se gostamos", conta, envergonhada. "Já não é como antigamente. A minha avó olhou para o meu avô numa esquina e foram obrigados a casar-se", interrompe o primo, mais atrevido. "Agora há mensagens [sms]. Primeiro conhecemo-nos por telemóvel ou Internet e dizemos aos nossos pais de quem gostamos. Eles tratam do resto", diz o noivo.

Cabelo preto, cuidadosamente chegado para trás com gel, sapatos bicudos e calças de ganga, o noivo João, 18 anos, está mais preocupado em festejar do que revelar a sua história de amor. "Vamos de lua-de-mel no cruzeiro jóias do Atlântico. Já posso ir embora?", pergunta, impaciente, à porta do pavilhão.

Lá dentro, os homens solteiros concentram-se junto ao bar. À frente, as jovens dançam como mouriscas num movimento sedutor. Só podem seduzir pelo olhar. As matriarcas, sentadas em cadeiras desalinhadas, controlam tudo.

A música mistura-se entre as batidas ciganas e as de discoteca. Nas mesas, a comida abunda mas parece não cativar. A noiva passa despercebida entre as dançarinas de fatos coloridos e brilhantes. A maior parte dos convidados nem lhe conhece o nome. "É prima do meu primo, chama-se... Espere aí, eu vou perguntar."

Perto da meia-noite é a cerimónia. A tradição cigana obriga ao teste sagrado da virgindade. Só depois os noivos são considerados casados. A tensão é muita. Os olhos azuis da noiva não brilham. À porta do local preparado para o teste final, o noivo consegue beber cinco cervejas em minutos. Transpira, num fato preto de laço dourado.

Os dois são acompanhadas por duas anciãs. "Os ciganos têm um respeito enorme pelos mais velhos", explica outro convidado. Alguns minutos depois ouvem-se aplausos. A noiva é virgem.

As madrinhas passam entre os convidados com cestos enfeitados de rendas, cheios de amêndoas e velas - símbolo da virgindade. Os noivos regressam e são atirados ao ar. Estão casados.

"Noventa por cento optam por não se casar no registo civil", conta ao DN Humberto Marques, um dos 40 padrinhos. Tem enrolada ao ombro a camisola com a fotografia dos noivos, que o identifica como um dos 40 padrinhos. Cada um contribuiu com 250 euros para a festa. Para ele, este é um "casamento pobre". Naquele mesmo local já assistiu a festas em que os noivos chegaram de helicóptero e de limusina. Estes não. Mas nas mesas há quilos de camarão, fruta, bolos.

A meio da noite, circular na pista de dança é quase uma acrobacia. Há bebida, garrafas, pratos e restos de comida espalhados pelo chão. Apesar do esforço dos funcionários da limpeza. "Os ciganos são um povo nómada. Vivem no mundo deles. Só querem ser livres", diz Nelito Maia, que se auto- -intitula "rei dos ciganos".

"Já não há reis. Há um grande respeito pelos mais velhos e uma tentativa de manter a tradição", explica Humberto. A regra é casar-se com um cigano, para não ser posto à margem da comunidade, manter--se virgem e celebrar a cerimónia antes dos 25 anos. "Depois uma mulher já é velha", diz. O homem, não. Está calor. Um homem, lá fora, lava os pés com uma cerveja. Nas bagageiras das carrinhas, as mulheres trocam de vestido, mudam o penteado e maquilham-se.