23.6.09

Extensão da crise económica está a provocar mudanças no perfil da imigração

João Manuel Rocha, in Jornal Público

Presidente do Migration Policy Institute antevê tempos duros, mas destaca a capacidade de adaptação dos migrantes


Os actuais imigrantes vão ter menos trabalho, sofrer mais pressões para regressar a casa e suportar os efeitos da crise. E quem quiser mudar de país deve estar consciente de que a emigração vai crescer menos, haverá maior selectividade na escolha de imigrantes e uma maior circulação de trabalhadores.

O diagnóstico é de Demetrios Papademetriou, presidente do Migration Policy Institute, de Washington, e foi ontem traçado numa conferência sobre o impacto da crise económica nas comunidades migrantes na Europa e nos Estados Unidos, promovida em Lisboa pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.

Questionado pelo PÚBLICO sobre o bloqueio a que emigração parece ter chegado, Papademetriou disse que os fluxos migratórios "vão continuar, provavelmente a um nível inferior". Mas salientou que "há muitas coisas que desconhecemos" e que podem influenciar esses movimentos.

A maior incógnita, afirmou, é saber se podemos chegar a um ponto de viragem em que os imigrantes "que estejam fora do mercado de trabalho esgotem as oportunidades de protecção social e corram o risco de ser responsabilizados pela crise, devido à maior competição pelos empregos. Devido à confluência de todos esses factores, podem ser levados a regressar". "Se a retoma económica acontecer antes que todas essas consequências confluam, alterar-se-ia o ambiente e os cálculos", disse.

A recessão não tem só efeitos directos na vida dos trabalhadores emigrados, disse o investigador: outras consequências são a contracção das remessas, com um aumento da pobreza nas comunidades dependentes das transferências financeiras, e o menor crescimento de países em desenvolvimento são outros resultados da crise.

No que diz respeito aos trabalhadores estrangeiros, Papademetriou é de opinião de que ficam mais cedo vulneráveis ao desemprego durante as recessões porque são, em média, mais jovens, têm menos habilitações, estão há pouco tempo no mercado de trabalho e tendem a ocupar-se de tarefas que os locais consideram pouco atractivas.
Para além disso, nas maiores economias, "os imigrantes concentram-se mais do que os locais em sectores mais afectados pela perda de empregos nos últimos anos", caso das indústrias e da construção.

Mas parecem ter a seu favor a capacidade para "se adaptarem mais rapidamente às transformações do mercado de trabalho, por serem mais flexíveis em matéria de emprego e rendimentos" e menos reticentes à mudança de residência por motivos laborais.

Os efeitos da crise na imigração estão longe de ser iguais em toda a parte, afirmou. Nos Estados Unidos, segundo os cálculos de Papademetriou, o desemprego e o trabalho precário ou temporário deve já afectar 20 milhões de pessoas. Mas a população imigrante mantém-se estável desde o início de 2007, o que pode ter a ver com o papel das "redes de informação dos imigrantes", que se aperceberam de que o emprego estava a diminuir, explicou ao PÚBLICO.

Europa em tons diversos


Na Europa podem detectar-se tendências diversas. Uma é o regresso de emigrantes do Leste que no início da década procuraram em grande número o Reino Unido e a Irlanda. Isto deve-se à melhoria das condições nos países de origem e às dificuldades económicas nos locais para onde emigraram. Já na Espanha, onde o desemprego chegou aos 17 por cento e atinge quase 30 por cento dos estrangeiros, a imigração aumentou 12,4 por cento em 2008 e o programa de incentivos ao retorno tem tido um êxito muito limitado - entre Novembro e 15 de Abril de 2009 aderiram pouco mais de 4600 pessoas.

"Os polacos e húngaros sabem que podem voltar [a outros países europeus]. Em Espanha [onde a maioria dos imigrantes é oriunda de outros continentes] não têm garantias de regressar", explicou Demetrios Papademetriou. "A imigração ilegal reage aos ciclos económicos, mas regressos em larga escala não acontecem se houver protecção social e/ou houver esperança de que a economia recupere", afirmou o presidente do Migration Policy Institute.